Check list: humilde e desvalorizado

Fui padrinho em um casamento onde a noiva entrou, todos se posicionaram e descobriram algo inacreditável: o padre não estava presente. Além do choro agoniado da noiva ao perceber a situação,  o constrangimento geral e uma inédita segunda entrada geral quando o padre atrasado enfim chegou, um pensamento óbvio ocorreu: não seria razoável fazer um check list que inclui o ítem “padre no altar” antes da noiva entrar? Alguém pode dizer que esse é um evento muito raro. Concordo, mas para aquele casal foi o seu primeiro casamento. Recomendo que você assista no TED[i]  a uma lição sobre a nossa resistência em fazer check lists apesar de sua eficácia e simplicidade . As consequências de nossa falta de método vão muito além de noivas em prantos, aviões perdidos, dinheiro jogado fora e tempo perdido. A turma que volta e meia se toca que esqueceu o celular ou a carteira após sair de casa pode viver com essa ineficiência sem fazer suas checagens mas essa atitude comum causa danos devastadores. O cirurgião americano Atul Gawande[ii] se dedica a aumentar a eficiência e reduzir riscos em cirurgias. Ele comprovou que um check list simples reduziu em 47% a mortalidade  em um grupo de 8 hospitais em países ricos e pobres. Pode parecer incrível mas muita gente morre ou tem complicações graves pela resistência que cirurgiões têm em humildemente e sabiamente percorrer um check list antes de uma operação. Perguntas como “essa é pessoa a ser operada?”, “é o joelho esquerdo?”, “a prótese está na sala?”, “há sangue do tipo adequado disponível?”, “o antibiótico tomado ainda está ativo?” “a equipe sabe o nome de todos e suas funções?” parecem óbvias mas não são feitas metodicamente antes de cada procedimento. Temos nas salas de operação o florescimento de máquinas e robôs de milhões de dólares, que reforçam nossa preferência pelo moderno, pelo espetacular e pelo tecnológico. Nessas mesmas salas habita a natureza humana avessa ao método, à humildade e disciplina. Na pesquisa do Dr. Gawande há uma verdade incômoda. 93% dos médicos que estão longe de ser unânimes quanto a usar o método em seus pacientes gostariam que ele fosse usado se os pacientes fossem eles. É comum acharmos que não precisamos de bons hábitos, só os outros. Em tempo, eu costumo fazer check list de documentos e celular apenas na garagem e com frequência tenho que retornar para casa. Os motivos que me impedem de fazer isso em casa ainda são misteriosos. Meu pai que está em um grau mais elevado já consegue fazer isso no elevador.

 

 

[i]

 

[ii] The check list manifesto. Em um grupo de 8 hospitais no primeiro e terceiro mundo 4000 pacientes foram operados com a introdução de check list antes dos procedimentos. Estatísticas apontavam para 435 com complicações sérias mas o número foi de 277. No mesmo cálculo, 27 pessoas evitaram a morte com esse simples procedimento.

2 Comments
  • William Arakaki
    Março 2, 2015

    Mário,

    O novo site ficou fantástico. Parabéns! Muito criativo o logo…

    Como sempre seu artigo traz pontos interessantes de reflexão: as coisas “simples” geralmente trazem resultados mais significativos. Então qual é “a” ou “as” razões para os seres humanos sempre buscarem o complexo?

    O vídeo também traz um outro ponto para pensar: humildade, disciplina e trabalho em equipe ou independência, autossuficiência e autonomia. Será que conseguimos fazer com que estes dois modelos de valor atuem em sinergia?

    Valeu por mais estes ensinamentos.

    • mario_henrique_martins
      Março 14, 2015

      Valeu mestre William. Vou tentar aumentar o ritmo.

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