Década adolescente

São cerca de 10 anos [i] desafiadores onde episódios de tédio, ansiedade e péssimas decisões são comuns desde que o mundo é mundo. Há uma razão bem estabelecida para isso: um cérebro incompleto e em construção. Em qualquer obra em andamento quem convive com a poeira e barulho vive momentos de muita impaciência e até desespero. O córtex pré-frontal é a parte mais relevante do cérebro na tarefa de avaliação de riscos e conseqüências futuras de nossas ações, conhecida como juízo. Ela só se consolida aos vinte e poucos anos em média. Saber disso não ajuda muito para evitar que adolescentes sigam tipicamente ávidos por coisas arriscadas, tóxicas, novas e autodestrutivas. Também não evita que eles sejam guiados pela necessidade de aprovação dos seus semelhantes e aderência ao que é ditado pelos “populares”. Nessa fase são presas fáceis para gurus que manipulam essa necessidade deles de se sentirem especiais e únicos. A pergunta central dos pais feita há séculos é: “será que eles não pensam antes de fazer as coisas?” A resposta moderna é simples: não, eles não pensam no sentido clássico. Para deixar mais clara a dificuldade dessa fase, além de julgamentos muito pobres em relação a riscos  há uma “fissura” (no sentido de vício) neuroquímica por novas experiências que geram expectativa de prazer. Isto sempre envolve nossos circuitos dopamínicos, aqueles que fazem a gente enlouquecer e escrever e ler enquanto dirigimos. Esses circuitos passam a ignorar coisas menos espetaculares como ir com os pais ao mercado ou ao posto de gasolina, coisas que um dia eles adoraram. A cereja do bolo é que em grupo eles acentuam essas características nocivas e de quebra precisam pertencer a redes sociais onde fiscalizam seu status permanentemente. Em minha modesta experiência com adolescentes lembrar das dificuldades que eles enfrentam em lidar com o mundo e a radical mudança neles mesmos ameniza meu enfoque, meu enquadramento sobre cada episódio onde minha tolerância e paciência são testadas. Sabemos que a irritação e a raiva nunca nos fazem mais inteligentes e hábeis. Um enquadramento que vê o jovem que deu aquela vacilada típica e repetitiva como alguém que precisa de ajuda me dá mais compaixão e reduz a irritação. Prefiro pensar que nessa fase eles estão incompletos e vulneráveis e precisam terceirizar certas funções cerebrais que estão imaturas. O grande desafio é que eles consigam enxergar essa terceirização como um apoio. Ao final de contas, queremos muito que eles não se arrisquem demais num mundo já tão arriscado. Mas isso ocorre em momento onde se arriscar é o que mais os atrai. A leitura conjunta desse artigo pode resultar em um lembrete permanente para os dois lados de que apesar do conflito natural as intenções são compreensíveis e o desafio é imenso para pais e adolescentes. Em um avião, em caso de descompressão, a regra é que o adulto coloque a máscara de oxigênio nele mesmo, para depois auxiliar a criança. Acho que a metáfora vale aqui. Respire fundo, ajuste sua perspectiva e ative seu córtex pré-frontal para ajudar em seguida a quem precisa dele. Boa viagem. Só dura uma década, tem momentos maravilhosos e por incrível que pareça deixa saudade mesmo para quem está hoje no olho da década adolescente.

[i] Robert Sapolsky, Behave: The Biology of Humans at Our Best and Worst. O post foi todo baseado no capítulo 6 desse excelente livro sugerido para mim pelo Prof. Pedro Calabrez. Não recomendo para quem não lê neurosciência habitualmente pois são 800 páginas áridas. Vale com certeza ver o resumão charmoso no TED https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjIlvXsndrXAhXJH5AKHerIB7UQyCkIKDAA&url=https%3A%2F%2Fwww.ted.com%2Ftalks%2Frobert_sapolsky_the_biology_of_our_best_and_worst_selves&usg=AOvVaw3eOL6li0G67N_xPMvh6vuA

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