Goulash com preconceito

Me  lancei à tarefa de fazer um prato novo, um Goulash[i]. Dei de cara com um dos bugs mentais que mais impactam a humanidade: nossa inclinação para generalizações velozes e indevidas ao julgar alguém e suas idéias. Como sabemos somos máquinas de decisão rápidas e imprecisas. Nossos algoritmos selecionam poucas coisas para decidir automaticamente se alguém é capaz ou incapaz, confiável ou não. Com freqüência desqualificamos a contribuição de alguém por coisas tão pequenas quanto um erro de português, um conceito irrelevante e errado dentro de vários muito certos, uma imprecisão em um número ou mesmo o seu visual, nesse caso no fenômeno conhecido como efeito Halo.[ii]Assim funciona nossa automática mente. Pesquisando formas de fazer um  “Goulash” no YouTube eu desqualifiquei muito cedo a contribuição de uma pessoa  muito experiente. O problema é que de cara ela propôs uma técnica que ao meu ver amador “arruinaria” a contribuição do ingrediente principal do Goulash: a páprica. Assim que vi essa discordância a um forte ponto-de-vista meu  interrompi o vídeo e parti para outra. Ao final de minha busca encontrei um ótimo blog em Viena (conhecida pelo domínio desse prato) que não ofendeu minhas crenças pequenas ou grandes (achamos inteligentes aqueles que concordam conosco). Foi aí que percebi que poderia ter descartado muito cedo a contribuição inicial. Voltei lá e confirmei que várias idéias consideradas fundamentais pelo expert vienense que adotei eram compartilhadas e enfatizadas pela minha fonte “fraca”. A conclusão é que descartei toda e qualquer contribuição de alguém muito experiente por ter discordado imediatamente de apenas um conceito entre dezenas que estariam por vir. Fazemos isso com muita freqüência. Quem lidera e ouve constantemente as contribuições dos outros deve prestar muita atenção a essa tendência de desqualificação que é irritante e injusta para quem quer ser ouvido. Quem é liderado (todos nós) deve estar atento ao potencial de estrago que “pequenos erros ou discordâncias” causam à sua imagem e percepção de valor de suas idéias. Não se trata de buscar uma justiça ingênua, se trata de compreender como a mente humana realmente funciona e lidar inteligentemente com seus bugs mentais e os dos outros. É bom prestar muita atenção na primeira página da apresentação ou na qualidade da  primeira informação dada. A famosa frase “já começou mal” reflete bem esse fenômeno. Temos a ilusão de que essa regra é infalível: o começo define a jornada inteira. Não é verdade. Boas primeiras impressões em 2019.

[i]É um ensopado de carne baseado em páprica que tem origens na Hungria e foi  modificado na Áustria. O nome original húngaro, gulyás, significa vaqueiro e nasceu como uma sopa rural. Gostei da versão em www.shibboleth.com

[ii]Para quem se interessa sobre primeiras impressões e efeito da aparência vale ler sobre o clássico efeito Halo. Não é à toa que pessoas que precisam convencer gente poderosa procuram se vestir como se tivessem muito dinheiro. A indústria do luxo agradece.

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