Comunicação: atenção intermitente

Todos nós conhecemos a experiência de ter passado um tempo relevante no piloto automático enquanto simplesmente pensávamos na vida ao volante. Não nos lembramos bem do que ocorreu durante o caminho que fizemos ou se prestamos atenção aos sinais vermelhos. Simplesmente chegamos. Indo para o trabalho de São Paulo à Alphaville percebi que não me lembrava se tinha passado pelo pedágio e pensei em como o diálogo interno que mantemos incessantemente causa um apagão na percepção do que está em nossa frente. Quando conversamos com alguém é comum perceber que perdemos o que foi dito recentemente pois pensávamos em algo com mais interesse do que a conversa despertava naquele momento. É como assistir a dois filmes ao mesmo tempo. O interesse nas cenas varia e nosso foco alterna. Quando o assunto é comunicação eu acredito muito em preparação e repetição pois assumo que quando você conta algo para um grupo de pessoas elas ficam “mudando de tela” cada vez que seus diálogos mentais capturam sua atenção. Repetir o que é decisivo e resumir o assunto é uma forma de garantir que quem “saiu” em uma parte da conversa a ouça de novo. Eu tenho grande dificuldade em manter a atenção em algo sem ser interrompido pelo meu próprio fluxo de pensamentos pois estou no grupo dos “muito distraídos desde pequenos”. Mesmo para a turma dos atentos vale lembrar que em um diálogo quem tem a palavra pode não estar sendo ouvido e ao final da conversa fica aquela estranha sensação de que parece que o outro não entendeu… Provavelmente o outro só ouviu verdadeiramente partes da conversa… Imagine agora esse fenômeno em uma reunião. Várias pessoas registrando recortes do que foi dito e ninguém tendo a mesma edição da conversa. Nossa automática mente não facilita a comunicação. Sabendo disso convém aprimorá-la para evitar a chance de alguém sair da tela enquanto falamos. Isso implica na decisão de tornar a mensagem mais atraente e fácil de digerir, repetindo e enfatizando as questões principais. Isso exige preparação[i] e investimento de tempo. É engraçado como achamos que sabemos nos comunicar só porque falamos e escutamos e damos pouca atenção à como esse assunto é determinante em nossas vidas. Na próxima apresentação importante que fizer, tente reduzir o entra e sai mental dos participantes com preparação e atenção a quem está presente. Como bem disse Pascal[ii] : “Fiz essa carta mais longa porque não tive tempo de fazê-la curta”.

[i] O melhor livro que conheço sobre o assunto continua sendo Apresentação Zen, de Garr Reynolds.

[ii] A citação também é atribuída a Mark Twain, George Bernard Shaw, Voltaire, Wolfgang von Goethe, Winston Churchill, Plínio o jovem, Catão, Cícero, Bill Clinton, and Benjamin Franklin. Eu sigo a opinião publicada no http://quoteinvestigator.com/2012/04/28/shorter-letter/ que aponta Pascal em 1657 como autor.

6 Comments
  • Luciana
    Setembro 24, 2016

    Registrada a dica e testando na próxima segunda-feira.

  • Luiz Roberto. Fava
    Setembro 25, 2016

    Uma ótima visão, como sempre. Abraços

    • mario_henrique_martins
      Outubro 23, 2016

      Muito grato Mestre.

  • William Arakaki
    Setembro 27, 2016

    Mário,

    De fato esta questão do “piloto automático” sempre me pega de surpresa… preciso treinar mais o autoconhecimento.

    Obrigado por compartilhar conosco!!!

  • Jessica Culceag
    Junho 5, 2017

    Incrível, isso acontece quase sempre comigo, e sempre me pega de surpresa.

    • mario_henrique_martins
      Julho 8, 2017

      Então somos dois Jessica!

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