Não somos bons juízes

Os ânimos andam exaltados e a raiva cresce. Como nunca vi ninguém ficar mais inteligente e construtivo quando exaltado e raivoso convém darmos uma parada de arrumação. Vejo uma característica humana perigosa crescendo: temos notável e comprovada capacidade de julgar mal os nossos atos e os dos outros. O problema é que usamos dois pesos e duas medidas. Usamos dois enquadramentos diferentes. Quando nós ou nossos amigos erramos, julgamos que erramos por causa das circunstâncias, do contexto que explica o erro. Quando os outros erram o contexto é ignorado: eles erraram feio porque são maus. Pessoas normais padecem desse viés[i] bem estudado, um erro de programação mental. Além de juízes parciais, temos a tendência de rotular nossos opositores como “do mal”. É evidente que essa propensão humana em achar o mal apenas nos outros vem do fato de que não damos aos outros o benefício de que eles também são regidos por contextos e incentivos. No setor de saúde que anda hoje nas primeiras páginas as operadoras e hospitais se demonizam mutuamente. Isso é mundial e ocorre há muitos anos. É uma espécie de faixa de Gaza onde alguém matou o tio do outro que em represália matou seu neto. Passados os anos ambos os lados estão repletos de atos dos quais não se orgulham e a discussão de quem começou isso soa infantil dada a gravidade das coisas. O diálogo piora quando mais precisamos dele. Reparem como um acusado, político ou empresário, pode ser visto tanto como alguém “do mal”, um Dart Vader[ii] tupiniquim, quanto pode ser uma vítima de um contexto maior e instalado há décadas aos olhos de seus defensores (“todo mundo fazia isso”). Na prática sempre vale lembrar de julgar um opositor considerando que somos juízes naturalmente viesados. Com essa disciplina devemos fazer o exercício de conceder aos outros o que fazemos conosco: levar o contexto em consideração antes de adicioná-los automaticamente à nossa lista de personalidades maléficas. Quando decretamos que alguém é do mal não só o diálogo está condenado mas também teremos grande propensão a usar métodos “do mal”contra essas pessoas, pagando na mesma moeda. É claro que existem monstros por aí. Só sugiro não engordar essa lista por desconhecer como nossa mente funciona. Cada vez que for condenar um novo “monstro do mal”, considere esse bug de pensamento que temos e com humildade faça um julgamento inovador: imparcial e que considera o contexto também para o outro. Funciona,

[i] Erro de atribuição fundamental. Esse termo foi cunhado por Lee Ross, psicólogo social de Stanford no início dos anos 70 baseado em estudo clássico de Edward E. Jones e Victor A. Harris da Universidade de Duke em 1967: The attribution of attitudes. Em resumo: quando o outro erra, a culpa é dele, Quando eu erro foram as circunstâncias.

[ii] Escrevi sobre isso de outra forma usando Vader aqui no Blog http://mariohenriquemartins.com.br/ele-e-do-mal/

1 Comment
  • William Arakaki
    Outubro 24, 2016

    Mário,

    Realmente é um desafio considerar o contexto que afeta a outra parte até porque nem sempre temos ou teremos conhecimento deste contexto.

    Texto muito interessante para nos fazer refletir.

    Obrigado!

    Gde abs.

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