Chegada em casa

Frequentemente o que chega em casa é uma versão piorada de nós mesmos. Um amigo comentou sobre sua dificuldade em ser tão agradável e paciente em casa como no ambiente de trabalho. Observo essa questão com interesse pois é fato que muitos de nós exercem autocontrole e força de vontade em grandes doses durante o dia e ao final da jornada estamos menos dispostos a gentilezas ou a escutar uma frase até o fim. A metáfora muito útil[i] de que a força de vontade é como um músculo que tanto deve ser trabalhado como também se cansa e perde potência é o assunto aqui. Isso é muito nítido no pessoal que trabalha em vendas e que por dever de ofício deve sustentar um sorriso e foco para escolher a palavra mais adequada independentemente do mau humor do cliente ou angústia em relação às suas metas crescentes. Isso exige esforço, autopercepção e autocontrole. É bastante comum que essa categoria  tenha padrão de comportamento mais áspero quando se relaciona para dentro da empresa pois muitos não resistem ao cansaço que a exigência de autocontrole impõe. Em contrapartida a turma não comercial que lida com essa “pior parte” reage e surge uma clássica “faixa de Gaza” na organização. Vamos voltar para casa. Quando as famílias se reúnem ao fim do dia elas chegam juntas do fim de suas corridas individuais que podem ter sido duras o suficiente para reduzir o grau de autocontrole, a gentileza e capacidade de escuta. Ponderei com esse amigo angustiado que o problema pode não estar em casa mas no estado que a turma está chegando em casa. Se todos os atletas chegam muito desgastados será desafiador manter uma conversa positiva e amorosa. Ter consciência do estado emocional que vigora em nós a cada momento, ou autopercepção, é componente básico em qualquer dos modelos dominantes de inteligência emocional[ii]. Esse hábito central, essa competência que pode e deve ser desenvolvida por todos que queiram evoluir pode ser exercida quando estamos a caminho de casa, reconhecendo o quão cansada está a “musculatura” que sustenta a capacidade de controlar nossos impulsos e a pior parte de nós. Ter essa consciência diária já dá novo impulso para girar a chave de casa com uma nova perspectiva do privilégio que é voltar para e se reunir com os entes queridos. Para muitos basta guardar o celular no bolso, respirar fundo algumas vezes, buscar um sorriso e só aí entrar. Você se prepara para voltar para casa ou entra automaticamente respondendo um e-mail? Faz diferença para quem está te esperando.

[i] Kelly McGonical, Ph.D de Stanford escreveu o ótimo “The willpower instinct”. Nossa força de vontade e autocontrole caem ao longo do dia. Manter um padrão controlado muito tempo nos cansa e abre oportunidade para toda a sorte de deslizes, desde traição conjugal a consumo de bebida e frituras em excesso. Após a semana de provas em Stanford até mesmo o uso de fio dental cai.

[ii] Goleman, Mayer&Salovey e Reuven Bar-On são os autores mais influentes nesse campo e convergem no papel básico de perceber as próprias emoções na inteligência emocional. Reuven tem definição bem simples para o tema: Reconhecer e gerenciar suas emoções e as dos outros para que estas ajudem e não atrapalhem.

6 Comments
  • Cezar Janikian
    Junho 18, 2016

    Caro Mario,
    muito legal e oportuno seu post. Voce, como sempre, com poucas palavras sabe fazer a provocação certa!
    VALEU
    ABCS

    • mario_henrique_martins
      Junho 19, 2016

      Mestre, vindo de você e seu poder de concisão o incentivo vale muito. Abraço

  • William Arakaki
    Junho 19, 2016

    Mestre Mário,

    Boa abordagem para reflexão.

    Além da consciência no retorno para casa, assim como ocorre com um atleta que treina para se condicionar, você entende que seja possível nos prepararmos para sermos mais “resistentes” para os desafios do dia de maneira a chegarmos menos desgastados ao nosso lar?

    Obrigado por continuar a compartilhar seu conhecimento!

    Gde abs.

    • mario_henrique_martins
      Junho 19, 2016

      Mestre Arakaki eu entendo que sim. Acho que a rota do autoconhecimento traz essa capacidade de minimizar não o chacoalhar da vida ,mas o que sentimos e pensamos em relação a isso. Aquela frase do genial Mark Twain ajuda a entender o ponto: “passei por várias situações difíceis na vida. Algumas aconteceram”. abraço e obrigado

  • Lucimara Lima
    Junho 19, 2016

    Um dos melhores post que já escreveu na minha opinião, claro, sem desmerecer os demais rs! Me dá as seguintes interpretações: “Empatia total” devido a “Propriedade” de como foi compartilhado o assunto.

    • mario_henrique_martins
      Junho 19, 2016

      Obrigado pelo incentivo Lucimara.

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