Autocontrole: lidando com pavios acesos

Uma explosão de raiva ou um impulso que alimenta um vício em nós mesmos ocorrem sempre no palco integrado entre corpo&mente. Lidar com esses quadros tão comuns exige estratégias tanto mentais quanto físicas. Convém lembrar que ficamos muito bons e automáticos naquilo que fazemos com frequência, incluindo tocar piano ou explodir quando provocados. Quem é explosivo há anos fica cada vez melhor em explodir. Desprogramar esses circuitos cerebrais fortalecidos pela prática  exige tempo, determinação e técnica.A base é mental, e consiste em reconhecer que vamos entrar em uma escalada que vai nos privar de nossa racionalidade.  Equivale a perceber que nosso “pavio” está aceso. Requer o treinamento da autopercepção, algo que a natureza humana não nos estimula a ter e muito menos o sistema tradicional de educação. A estratégia não é apenas mental. Quando estamos a ponto de explodir, ou “vacilar”, também é necessária umamudança em nossa fisiologia, uma mudança física para restaurar nossas capacidades de autocontrole. Se o “pavio” está aceso, apagá-lo requer uma estratégia física, não só mental. Lembre que tanto nos casos de raiva/ansiedade como nos casos de compulsão entram em cena neurotransmissores e hormônios que alteram o funcionamento de nosso corpo e mente e prejudicam ou desligam nossa capacidade de prever e considerar as consequências de nossos atos. Alguém enfurecido definitivamente perde a ajuda de partes de seu cérebroresponsáveis por funções “executivas”, que controlam e amenizam o poder de nosso lado automático e “animalesco”.  Ficamos fisicamente alterados. Quando dizemos que alguém “virou um bicho” estamos muito próximos da verdade. A determinação pessoal de vigiar essa nossa propensão à perda de nossas capacidades mais elevadas de julgamento exige uma resposta muito conhecida: novos hábitos. Ninguém acha estranho que um jardim exija cuidado diário, mas quando o assunto é nosso corpo/mente, curiosamente não pensamos assim.  Quem estuda e se dedica a esse tema acaba convergindo para um ponto comum: incorporar o hábito de vigiar o que pensamos e usar a respiração com técnica são as duas rotas milenares mais estudadas e cientificamente aceitas. A disciplina de fortalecer nossa capacidade de prestar atenção a nós mesmos é a base das centenas de práticas contemplativas (meditação). Ela usa a repetição, a melhor forma conhecida de mudar nosso cérebro, dentro do conceito de neuroplasticidade (artigo de 18/11/2011). Concordemos que não há como controlar algo que não é nem sequer percebido por nós e isso explica por que o aumento da autopercepção, desenvolvida pela meditação, é uma meta básica para quem quer ser mais “racional” e menos automático. Atenção[i] crescente tem sido dada ao estudo de como os diversos tipos de meditação alteram capacidades cerebrais indispensáveis para que sejamos pessoas mais equilibradas, felizes e úteis. O segundo pilar desses novos bons hábitos está na melhor compreensão e uso da respiração. Contar até 10 antes de explodir, desde que você perceba essa necessidade, já é fantástico mas respirar de forma técnica, eficaz, devolve poder aos nossos centros mais elevados de decisão, pois usa nossos próprios circuitos automáticos que “desaceleram” o corpo e acalmam a mente.  Respiração pausada e consciente influencia diretamente o ritmo cardíaco[ii] que por sua vez informa ao cérebro que seus centros superiores podem ser usados. A respiração adequada nos devolve racionalidade de forma automática e potente.Meditar e aprender a respirar. Treinar mente e corpo. Essas recomendações atravessaram milênios e isso tem sido cada vez mais estudado e confirmado. Como diz o renomado neurocientista adepto da meditação, Matthieu Ricard: “ a natureza essencial da meditação é o treinamento mental” [iii]. Considere treinar sua mente e seu corpo visando manter e cultivar sua racionalidade e humanidade, no melhor sentido. Pessoas normais lidam com problemas que tiram seus centros de decisão superiores (córtex pré-frontal) do jogo ao dormirem mal, comerem mal e sofrerem stress crescente. Meditar e respirar com técnica é a sugestão mais potente e realista que conheço para quem quer cuidar do próprio jardim.



[i] The mind`s own phisician: Jon Kabat-Zinn apresenta evolução numérica de artigos científicos sobre meditação que iniciaram a década de 70 em algumas dezenas e já beiram trezentos em 2010.

[ii] Heart-brain neurodynamics: the making of emotions: Rollin McCraty: a neurocardiologia estuda entre muitas coisas  a influência que o ritmo cardíaco tem em nossas emoções através de sua troca de informações com o cérebro. Ocorre que o coração é profundamente influenciado pelo ritmo respiratório e assim se faz uma ponte poderosa entre respiração, coração e cérebro para o gerenciamento de nossas emoções. Quem respira fundo em segundos influencia seu ritmo cardíaco e “acalma” o cérebro.

[iii] The mind`s own physician: Da série de encontros do projeto Mind and Life entre a comunidade científica (Jon Kabat-Zinn, Richard Davidson e Matthieu Ricard entre outros) com o Dalai Lama.

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