O stress aumenta o poder das tentações?

Pessoas estressadas (pessoas normais) ficam mais vulneráveis às tentações. A lista clássica inclui comer e beber demais, comprar o que não precisamos, ficar horas diante da TV, adiar tarefas chatas e várias outras maneiras de buscar prazer que não trazem felicidade[i]. O cérebro estressado, em busca de conforto, aciona seus circuitos de recompensa que estão associados a um neurotransmissor bastante estudado: a dopamina. Sem esses circuitos, voltados para a ação, ficaríamos deprimidos, apáticos e sem apetites existenciais. É importante perceber que esses circuitos não são acionados pela obtenção em si de prazer mas pela simples promessa de prazer. Quando estamos estressados, as coisas que nos prometem prazer ganham prioridade pois estamos “ligados”  e regidos por uma onda de dopamina[ii] que nos empurra para uma ansiosa busca por recompensa. As coisas que realmente reduzem o stress têm uma rota química diferente e aparentemente menos estimulante e atraente para uma pessoa estressada. Fazer exercício (em primeiro lugar), conversar com amigos verdadeiros, meditar, receber massagem, respirar com técnica, praticar um hobby que exija sua concentração (videogame não ajuda aqui) são coisas que comprovadamente acionam um freio natural que temos[iii], o ramo parassimpático de nosso sistema nervoso autônomo que envolve a produção de substâncias ligadas à melhoria de nosso humor e bem-estar como serotonina, GABA e oxitocina. Repare que depois de um bom exercício, temos menos propensão a comer excesso de coisas que nos fazem mal. Apesar de termos mais apetite, esse parece ser mais seletivo e afinado com nossos objetivos de longo prazo. É sem dúvida uma “química”cerebral bem diferente da que ocorre quando estamos estressados. Nós produzimos nossas próprias drogas para funcionarmos corretamente, mas é bom estarmos atentos ao fato de que se estivermos sob demasiada pressão, nossa biologia vai jogar contra nós e as tentações ficarão ainda mais tentadoras. Presidentes, astros do esporte ou grandes empresários volta e meia fazem coisas sem o menor sentido moral e arriscam carreiras e famílias por muito pouco. Pessoas normais também. Caso perceba que está particularmente vulnerável a tentações de qualquer tipo, vale checar se o nível de stress está merecendo uma avaliada e um combate estratégico com coisas que realmente funcionam. O stress aumenta o poder das tentações.



[i] Esse artigo foi baseado no livro The Willpower instinct, de Kelly McGonigal que leciona psicologia em Stanford. Recomendo a leitura para quem gostaria de compreender melhor os mecanismos que reforçam ou minam a força de vontade.

[ii] Brain Dopamine and Reward,  R.A. Wise e P.-P. Rompre. Como em quase tudo que se escreve popularmente sobre neurociência essa é uma simplificação brutal. Os circuitos de recompensa se espalham em várias áreas do cérebro e contam com várias substâncias. Há forte evidência que a dopamina desempenha um papel critico na neurofisiologia da recompensa. Reduzir essa sinfonia complexa a um neurotransmissor ou a poucas áreas do cérebro é como dizer que  as Quatro Estações de Vivaldi é tocada apenas pelo primeiro violino.

[iii] The relaxation response, Herbert Benson. Livro pioneiro na introdução de meditação como técnica de redução de stress na área médica.

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