Autocontrole: um músculo que se cansa com o uso?

Há partir dos anos 90 um modelo psicológico interessante[i]tornou o entendimento e gestão do nosso autocontrole muito mais fácil para a maioria de nós que não cursou psicologia. O autocontrole, nesse modelo,  é como um músculo, exige esforço e energia  a cada vez que o usamos. Ele se desgasta e precisa de treino. Nosso amigo canino na foto expressa sua clara dificuldade e concentração necessária para resistir ao biscoito em seu focinho. Ele resiste ao seu natural impulso de satisfazer sua fome. Resistir aos nossos impulsos naturais de ficar um pouco mais na cama, repetir a sobremesa, devorar todos os pães de queijo do couvert, adiar aquela tarefa chatíssima, não xingar aquele cliente que irrita ou esganar o chefe alucinado, são tarefas diárias que acionam e cansam a musculatura do autocontrole.

A pessoa que chega em casa a noite, é bem menos simpática, compreensiva e controlada do que a que saiu de manhã. É interessante pensar que nos dias de semana, nossa família lida a noite com o que resta de nós, a pior parte de nós. Assim como ocorre com um músculo usado em uma série de exercícios, a repetição que vem imediatamente em seguida será cada vez mais difícil. O autocontrole é como um músculo. Use-o sem estratégia e você se verá fazendo coisas bastante irracionais como comer demais, enviar mensagens de texto enquanto dirige, tratar mal a quem você gosta ou se envolver com a estagiária da Casa Branca sendo presidente. Gente que precisa exercer seu autocontrole em altas doses durante o dia, por exemplo, sorrindo para clientes ou atendendo em call centers, termina o dia rosnando.

É claro, exauriu o músculo e não consegue mais usá-lo. Eu passei a observar meus níveis de autocontrole de forma mais consciente com a compreensão desse modelo. Na prática, estimulo você a se observar após uma tarefa exigente em termos de domar suas emoções e impulsos e se preparar para a seguinte com consciência. Antes de entrar de cabeça na próxima considere ajustar sua perspectiva lembrando qual é o significado de seu trabalho, dando uma boa respirada e lembrando de algo importante para você e que motiva seu trabalho ou checar se está faminto. Outro ponto importante é que assim como um músculo, o autocontrole exige energia, na forma de glicose.

Juízes que  costumam aprovar somente um em cada três pedidos, não aprovam nada com fome e depois de alimentados aprovam dois em cada três (o dobro da média), como já discutimos antes no post http://www.mariohenriquemartins.com.br/?artigos.xml!artigo=040404030 . Com fome temos menos autocontrole. A partir de agora, trate seu autocontrole como uma musculatura que precisa de cuidado, descanso e treino. Bom treino para você.


[i] Roy F. Baumeister, Kathlenn D. Vohs e Dianne M. Tice: The strength model of self-control. Reconheço que a tendência para encontrar metáforas ou sistemas correlatos para explicar novos fenômenos é tanto útil quanto limitante. Já se teve uma visão mecânica do cérebro, substituída por modelos hidráulicos e agora eletrônicos. É normal. Nesse caso fico com a utilidade desse modelo “muscular” no sentido de torná-lo compreensível e aplicável na prática. Pensar no autocontrole como um músculo que se cansa, consome energia e precisa de uso para se fortalecer tem sido bastante útil para mim.

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