A arte de dizer não: ancore sua posição em um grande sim

Um dos maiores especialistas do mundo em negociação, Dr. William Ury, escreveu um ótimo livro sobre a arte de dizer não[i]. Dizer não, com técnica e consciência, de acordo com minha experiência profissional lidando com essa palavra há muito tempo, em muitos lugares, é algo tão valioso quanto incompreendido. Nos sentimos muito mal dizendo “não” em nossa cultura latina. É difícil dizer não para filhos, parentes, amigos ou clientes. Em geral não sabemos dizer “não” e as consequências disso são muito importantes. Filhos sem limites, clientes sem limites, relações vampirescas onde nos sentimos explorados por alguém que apenas “quer” e nos ameaça quando contrariado. Uma pessoa “amiga ou cliente” que nos deixa sempre com a sensação de que se dissermos não, seremos ejetados, riscados da lista e substituídos por alguém que diga sim merece a definição de amiga ou cliente? Se alguém só se interessa em uma relação onde você deva obediência absoluta, convém admitir que essa pessoa não é nem sua amiga nem seu cliente, é um tirano. Para aqueles que infelizmente perderam temporariamente a opção de dizer não, minha solidariedade e desejo de que possam migrar para uma situação onde não se sintam  reféns. Admito que não há fórmula que retire a frustração de alguém que recebe um não.  A criança quer o sorvete e o cliente muitas vezes quer tudo de graça e para ontem. Meu propósito não é satisfazer a todos pois isso é o caminho mais rápido para a depressão, falência e dependência de aprovação alheia em doses insuportáveis. O que discuto aqui é que a pessoa que recebe o seu “não”, mesmo frustrada, poderá reconhecer em você alguém que diz não com equilíbrio e coerência, isso gera respeito, desde que você não esteja lidando com alguém com sérios problemas, relatados em nossos últimos artigos sobre gente abrasiva.  O Dr. Ury chama atenção para uma regra decisiva: tenha a consciência absoluta de que cada “não” deve ser  ancorado em um “sim” muito maior. Esse “sim” é a base para que uma negativa seja dada com propriedade e determinação. Vamos exemplificar dentro de casa: quantos pais têm enorme dificuldade e culpa em recusar um milk shake a uma criança que está gripada ou obesa? Qual é o sim que está por trás desse não? Claramente, um sim à saúde da criança. Em termos simples devemos escolher entre garantir a recuperação segura de alguém pouco interessado nisso ou agradar essa pessoa, mesmo colocando um risco importante na história. A força para dizer não nesse caso tem que se apoiar na decisão consciente da nossa escolha pelo que é mais importante, e não agradável no curto prazo. Dizer um “não” sólido, apoiado em uma escolha, que é o seu “sim”, é tarefa que exige que você a escolha entre alívio imediato ou cura eentenda sua própria ansiedade e culpa em relação à essa escolha. Sabemos que o normal é buscar alívio, sempre.  Com clientes, por vezes temos que lidar com pedidos que são tão ruins em termos de preço ou prazo que, ao aceitarmos essas condições, corremos o risco real de não entregar o que prometemos ou acabarmos com a rentabilidade da relação. Ficamos na situação conhecida de postergar e aumentar mais o problema. Se dizemos “não” podemos ouvir a desagradável notícia de que não somos mais úteis. Nesse caso, dizer  “não” ao cliente se apoia no “sim” que damos a manter nossa credibilidade e a importância do cliente para a sua empresa. É preferível deixar claro até onde podemos e queremos lutar e o porquê. Muitos clientes e adultos se comportam como crianças quando desejam alguma coisa. Se interessam pouco com as consequências futuras de um sim obtido à custa de medo e busca por alívio imediato. Como hábito descubra qual é o “sim” que dá suporte, que ancora  cada “não” que você deve dar e o expresse com clareza e tranquilidade. Guimarães Rosa[ii] disse que o que a vida pede para a gente é coragem. Concordo e adiciono: conhecimento também. Comece hoje o exercício. A repetição é a base da alta performance, até mesmo para dizer “não” como se deve.


[i] O poder do não positivo. O Dr. Ury é co-autor do mundialmente famoso “Como chegar ao sim”que vendeu mais de 80 milhões de cópias em 30 países. Eu li 4 livros dele e de longe acho que seu livro sobre como dizer não é o mais útil de todos (todos excelentes). Fiquei particularmente tocado em saber que o Dr. Ury teve que aprimorar sua capacidade de dizer não em condição de inferioridade para defender por muitos anos a saúde de sua filha tendo que lidar com o sistema de saúde americano. Aprecio gente que pratica o que prega.

[ii] Grande Sertão: Veredas.  O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, 
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”

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