Ele é do mal

Um bug mental clássico que afeta a todos tem a ver com nossa tendência de julgar as atitudes dos outros exclusivamente pelas suas intenções e não pelo contexto[i]. Quando somos nós que estamos no banco dos réus a coisa se inverte e aí nossas atitudes são fruto da força das circunstâncias: nós somos caras legais mas o contexto nos induziu. Se alguém passa em alta velocidade por nós em uma estrada, automaticamente o rotulamos de louco ou irresponsável. O que está provocando aquela urgência, como a notícia que um filho sofreu um acidente não entra na análise. O mesmo ocorre quando nos enfurecemos ao ver um carro serpenteando com seu motorista mandando mensagens de texto. Conosco o julgamento é mais brando e tendemos a achar que dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo naquele contexto “tranquilo e dominado”. É evidente que existe gente tóxica e destrutiva. Já tive minha parcela de colegas e chefes abrasivos e me deparei com a tendência de classificá-los como “do mal”. Na maioria das vezes (é claro que existem Darth Vaders por aí sim) uma avaliação mais serena os colocou na categoria de pessoas com baixa autopercepção e autocontrole. Esse pessoal, com poder, causa sofrimento quando surta mas em estado tranquilo não faria mal a uma criança, torturaria um animal ou deixaria um velhinho caído no chão. “Do mal” é um termo por vezes usado em resposta a quem nos faz oposição. Eu aprendi que aqueles que discordam ou combatem minhas ideias ou intenções são “normalmente normais” e fazem oposição baseados em contextos, em incentivos e em restrições mas não desejam ardentemente o mal. Lidar com oposição é uma habilidade bacana e muito necessária. Quando alguém te fizer oposição pergunte a si mesmo se isso ocorre porque o outro quer fazer oposição ou precisa... É muito mais fácil pular a fase de compreensão da perspectiva do outro e rotulá-lo. O filósofo espanhol José Ortega y Gasset disse que “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Os outros também são eles e suas circunstâncias. Bom lembrar disso no próximo confronto entre o bem e o mal.

[i] Erro de atribuição fundamental. Esse termo foi cunhado por Lee Ross, psicólogo social de Stanford no início dos anos 70 baseado em estudo clássico de Edward E. Jones e Victor A. Harris da Universidade de Duke em 1967: The attribution of attitudes. Em resumo: quando o outro erra, a culpa é dele, Quando eu erro foram as circunstâncias.

 

2 Comments
  • Vera Cristina Andrade Bueno
    Outubro 12, 2015

    Mario, isso para o que você chama a atenção, lembra o que o velho Freud chama de “processo primário” e “processo secundário”. “Processo primário” é aquele em que agimos sem pensar, e que se dá de modo automático. O secundário, é o que fazemos quando pensamos. Em vez de gastarmos nossa energia com a raiva, que não leva a nada, “seguramos” essa energia e a canalizamos para ter um resultado mais eficaz. É muito bom você chamar a nossa atenção para essas possibilidades à nossa disposição. Abraço, Vera

    • mario_henrique_martins
      Outubro 18, 2015

      Vera que honra te ver por aqui. Eu concordo que a questão de nossa natureza automática descrita por Freud, Platão e mais recentemente popularizada com pedigree científico por Kahneman é aspecto central na dinâmica de autopercepção. Muito obrigado.

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