Raiva frequente

Observo que a humanidade está frequentemente a um passo de se animalizar dependendo de uma principal emoção[1]: a raiva. É esse estado banal que rompe facilmente nossa frágil casca de civilização e gera violência física e psicológica. Hulk é uma excelente metáfora do que podemos fazer ao nos sentirmos ameaçados e desconsiderados. Algumas pessoas, raras, precisam de um tapa para surtar enquanto para outras basta uma leve oposição[2] às suas idéias. Se opor a alguém pode ser perigoso dependendo do contexto (assalto) e do assunto (política, religião, futebol). Ir contra um líder em público é um exemplo clássico. Em público as pessoas têm necessidade extra de consideração. Na presença de família também. Ocorre que quem trabalha em organizações está sempre perto do dilema de se opor à péssimas ideias que de vez em quando partem de cima. A toda hora vejo gente discordando e gerando raiva, não necessariamente porque falou algo fora do normal, mas porque estava lidando com um fio desencapado do outro lado e despertou o Hulk. Todos nós temos valores e regras internas que se quebrados desencadeiam fortes emoções. Todos temos nossos calos, nem sempre óbvios para os que nos cercam. Ter consciência deles é essencial para que não sejamos violentos e injustos. Por outro lado, aos nos depararmos com uma reação que nos parece desproporcionalmente violenta, vale pensar em que calo foi pisado antes de gritar de volta ou julgar. A base da resolução de conflitos está em uma pergunta transformadora: que necessidade não atendida[3] gerou esse grito? Isso significa examinar a causa e não os sintomas do conflito. As respostas em geral são muito concentradas em poucas coisas que todos precisamos, como por exemplo: consideração. Se julgar desconsiderado dá medo e medo é estopim para a raiva. As mães que surtam quando um filho não escova os dentes direito não surta pelo evento em si e portanto não é uma louca desvairada. Ela surta pelas 500 vezes em que isso aconteceu e se sente desconsiderada, ignorada e tem necessidade de consideração aos seus 500 pedidos. Preste atenção na próxima vez em que você for violento com alguém (e vice-versa) e pergunte a si mesmo que necessidade não atendida acendeu o pavio da bomba. Tratar essa necessidade é extraordinariamente potente para trazer racionalidade a um quadro onde o desfecho é perigoso. Essa reflexão por si só já bloqueia o contragolpe automático que daríamos. Sabemos que quando somos automáticos em conflitos raramente colaboramos para um desfecho satisfatório. Aristóteles disse que somos o que fazemos com frequência. Aumente a frequência com que faz essa pergunta diante de conflitos e será alguém diferente, para melhor.

[1] António Damásio apresenta uma visão interessante que ajuda a distinguir emoções de sentimentos. Para quem tiver muito interesse no tema, pois a leitura pode ser árida, recomendo Em busca de Espinosa. Em resumo as emoções são estados e reações físicas enquanto os sentimentos envolvem representações mentais desses estados. Emoções vem antes…

[2] É humano associar discordância a agressão. É muito comum sentir raiva de quem pensa diferente. Basta olhar para a história.

[3] Marshall Rosenberg, expert mundial em resolução de conflitos, sugere essa abordagem em seu excelente livro “Comunicação não violenta”.

5 Comments
  • David
    Setembro 28, 2015

    Mário, parabéns! Mais um texto fantástico, obrigado pela frequência! Abçs

    • mario_henrique_martins
      Outubro 2, 2015

      Valeu David, vou naquele ritmo Dorival Caymmi…

  • Lucimara Lima
    Outubro 7, 2015

    “Um homem bem sucedido, é aquele que consegue controlar suas emoções!”

  • Angela Caroline Delfino Rodrigues
    Novembro 10, 2015

    Ótimo texto e abordagem Mario. Uma vez ouvi que um profissional bem sucedido é aquele que combina suas competências técnicas com uma dose generosa de inteligência emocional! 🙂

    • mario_henrique_martins
      Novembro 15, 2015

      Obrigado Angela

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