Comerciais x técnicos: o combate

Em minha experiência dirigindo tanto times de vendas quanto times técnicos, sempre combati uma doença antiga que destrói imenso valor nas empresas: a incrível deficiência de comunicação entre dois mundos: comercial e técnico. Se você não atua em vendas pense em 3 características que definem um vendedor. Pressinto que confiabilidade, capacidade analítica e foco no resultado da empresa não fazem parte da lista. Se você é vendedor e pensar em 3 características para definir o pessoal interno da empresa, antecipo que prestativo, antenado com o mercado e focado no cliente não devem aparecer na lista. Partimos então de uma relação profundamente comprometida, desconfiada e fadada à ineficiência.

O pessoal de vendas que tem em alto grau a importantíssima missão de trazer a realidade para dentro da empresa é considerado um sensor falho, pouco inteligente e confiável. A empresa fica com visão embaçada. Por outro lado, a turma que tem a missão de reagir às mudanças fortes e rápidas que o mundo oferece não conta com informações no formato e tempo que facilitam sua compreensão do mundo externo, raramente visitado por eles mesmos. A empresa fica lenta e confusa para reagir. Miopia e lentidão, combinação mortífera. Nokia, Blackberry, Enciclopédia Britânica, Kodak, Polaroid e tantos outros ícones pagaram caro por não perceberem mudanças e não mudarem na velocidade adequada.

Como é possível reagir ao ambiente se a realidade não é captada e debatida em grau mínimo?  É claro que sempre haverá tensão nessa relação comercial/técnica por alguns motivos básicos. Um deles é o fato de que os concorrentes concorrem, os clientes querem cada vez mais por cada vez menos e a área comercial é mensageira de más notícias por excelência. É uma área associada ao desconforto que a competição sempre trará. Ser mensageiro de más notícias dá azar… Outro ponto é que se fizermos tudo que o cliente desejar, a empresa quebra. É um processo de escolhas duras e de preferência compartilhadas. É um processo intelectualmente e emocionalmente exigente.

Como a maioria dos executivos ainda tem problemas existenciais em reconhecer a importância de emoções (são “todos fortes, todos heróis”), a criação de processos de comunicação que levam as emoções em conta são desconsiderados. A natureza humana, a fisiologia do cérebro são gravemente desconsiderados nos processos de gestão. Conheço executivos que sentem conforto ao ver a empresa se debatendo em brigas e conflitos, achando que isso é um sinal de comprometimento ou “dor de dono”. Para eles quando as pessoas ficam “amigas demais” o fim está próximo. Não se trata de amizade, se trata de eficiência. Quando estamos zangados, nosso QI e QE caem[i]. Você fica mais capaz de resolver problemas zangado com alguém? Se achar que sim, lamento mas está em desacordo com a ciência. A concorrência e os clientes vão enviar pressões em ritmo crescente e a capacidade de se adaptar a essas mudanças exige cada vez mais inteligência emocional e diálogo aberto, com todos sabendo de antemão que uma empresa normal tem funções que devem ser conflitantes.

Tem gente que pensa mais em encantar o cliente e tem gente que faz contas para saber se esse encantamento é possível. Isso é necessário para uma discussão equilibrada. Se você acha que o diálogo entre a área que está mais próxima do cliente com as áreas de suporte deve seguir carregado de desconfiança, emoções tóxicas e nenhum processo formal boa sorte. Você vai precisar. O que fazer à respeito? Comece cobrando uma coisa simples: as áreas devem se comunicar com respeito e a desconfiança deve ser tratada como um sintoma de doença perigosa que deve ser erradicada. Obviamente, o exemplo tem que vir de cima. Em geral a turma repete os comportamentos que ocorrem na diretoria. Para quem curte o tema e precisa executar essa idéia com técnica recomendo “O que o cliente quer que você saiba” de Ram Charan. Abraço  e boa sorte.


[i] Don Corleone, mafioso de carteirinha já dizia: “nunca odeie seus inimigos pois isso afeta seu julgamento”. Sabemos hoje que durante episódios de stress, como por exemplo um momento de raiva,  nossa capacidade de escuta, empatia, memória e capacidade de análise são diminuídas. Em português claro, a raiva emburrece. Em situações onde nos sentimos acuados ou raivosos o cérebro humano se reconfigura para padrões de funcionamento mais primitivos, alterando drasticamente nossas capacidades mais elevadas de raciocínio e conexão com o outro. Uma empresa raivosa e ressentida é burra.

No Comments Yet.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *