Ser iludido é inevitável, saber que está iludido não

Esse teste foi desenvolvido em 1889[i]. Os mais combativos vão medir os segmentos centrais e serão forçados a admitir que eles são iguais apesar de “enxergarem” que o de cima é maior. Curiosamente, um povo que mora em casas circulares, como uma oca ou cabana,  não sofre dessa ilusão no mesmo grau que nós. Essa ilusão de ótica pode ter explicação cultural. Sabemos que estamos errados, mas mesmo assim, não conseguimos enxergar a realidade.

Sabemos nesse caso que estamos iludidos.Falando em ilusões vamos a uma das mais importantes: achamos que somos regidos a maior parte do tempo por nossa racionalidade. Achamos que a maior parte de nossas decisões são “pensadas”. A verdade é que dada a forma como nossa mente funciona, raramente somos predominantemente racionais, medindo ou pesando as coisas. Sempre partimos de interpretações automáticas, elas são o nosso “default” ao perceber o mundo.

O que achamos que é a regra, é a exceção em nossas vidas. Nossos cérebros tem outros “bugs”, outros erros sistemáticos além dos visuais. Temos vários erros de interpretação dos fatos, erros cognitivos. Eles estão relacionados à forma como nossa mente interpreta o mundo de forma automática, seguida ou não de um segundo filtro mental que avalia as coisas com menos velocidade e mais cálculo. Os “dois sistemas”[ii], que são tema recorrente em meus artigos, um automático, veloz e com suas imprecisões e o outro que delibera calcula e modera, também com imprecisões, se coordenam para nos levar pela vida evitando problemas.

Assim como fomos enganados pelo nosso cérebro na interpretação da figura, somos sistematicamente enganados em nossa leitura da realidade por emoções já que elas influenciam decisivamente a forma automática de reagirmos às coisas. Além disso, o nosso segundo sistema, que é encarregado de raciocinar com calma e moderar o primeiro sistema, é muito influenciado pelas nossas primeiras impressões. A nossa “segunda opinião” é bastante influenciada pela primeira.

Não é possível evitar a emoção pois ela tem origem automática. O que é aconselhável é se condicionar a observá-la em nós mesmos. Uma regra preciosa é compreender que raramente decidimos baseado em fatos, mas sim em nossas preferências, que tem cunho fortemente emocional e são baseadas em nossas experiências. Por isso digitamos enquanto dirigimos (post de 22/5/2012) aumentando em mais de vinte vezes o risco de acidente, somos muito mais propensos a dizer “não” quando estamos com fome (post de 29/11/2011) ou respondemos a mesma pergunta de forma muito diferente dependendo das emoções que sentimos em relação à forma que ela foi apresentada. Estejamos conscientes da imensa variação que nossa “racionalidade” sofre para que  através de autopercepção e autoconhecimento sejamos menos automáticos e mais úteis. Considere preparação mental, além da física.


[i]  Franz Carl Müller-Lyer, psiquiatra alemão, criou essa ilusão de ótica cuja explicação é debatida até hoje. A justificativa que me pareceu mais interessante e não necessariamente a mais correta vem do fato que africanos que vivem em tendas circulares são muito pouco sensíveis à essa ilusão comparado a europeus que vivem em casas cheias de ângulos retos. A conclusão é que nós, ocidentais, tendemos a interpretar essas figuras de forma tridimensional, imaginando quinas que nos dão ilusão de perspectiva.

[ii] Os termos “sistema 1 “e “sistema 2” usados para caracterizar a existência de duas formas coordenadas que a mente usa para avaliar o mundo foi cunhado pelos psicólogos Keith Stanovitch e Richard West. Recomendo fortemente a leitura de “Pensar depressa e devagar”do prêmio Nobel de economia e psicólogo Daniel Kahneman sobre o assunto.

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