Se a comunicação é essencial, vale a pena estudar o assunto?

É claro que sim. Minha vivência profissional estimulou minha curiosidade em julgar a qualidade da comunicação entre grupos de pessoas. Quando se passa muito tempo em reuniões entre pessoas com interesses distintos e por vezes opostos é crucial entender o que está acontecendo. Uma pergunta obrigatória quando um grupo de negociadores sai da sala é: o que você achou? Essa pergunta poderia ser formulada de forma mais direta: o que aconteceu lá dentro?

É muito interessante como dependendo do observador a interpretação varia e muito. A capacidade de ler o que aconteceu em uma situação de negócios é altamente valorizada. Como podemos melhorar nossa habilidade de entender o que acontece com nosso interlocutor e como podemos facilitar a comunicação entre nós e os outros? Essa é uma área de fundamental importância mas raramente merece atenção da maioria das pessoas. Por esse motivo quem coloca energia em se aprimorar nesse tema se diferencia muito. Falar e ouvir os outros é tão natural que poucos sentem necessidade de estudar o assunto. O mesmo acontece com outra atividade importantíssima, a respiração. Todo mundo acha que sabe respirar mas poucos respiram bem e a favor de sua fisiologia. Fui muito influenciado pela obra de um grande especialista em comunicação e resolução de conflitos: Marshall Rosemberg. Esse PhD em psicologia tem décadas de prática no assunto e vou apresentar sugestões baseadas em seu trabalho. Toda a manifestação hostil tem origem em necessidades não atendidas.

O método do Dr. Rosemberg é a comunicação não violenta (CNV). Esse método é tão potente quanto simples e se baseia na premissa acima: quando alguém te ataca, ou se defende, está tentando suprir uma necessidade que não foi atendida. A lista de necessidades humanas é ampla, mas respeito, consideração, justiça e segurança são universais. Na próxima vez que se sentir atacado em uma discussão faça a si mesmo a seguinte pergunta: que necessidade minha não foi atendida? Esse é o ponto de partida, primeiro nós mesmos, depois então o outro. Quando nos conectamos com os motivos de nosso medo ou raiva damos o primeiro grande passo para solucionar o problema: saber qual é o problema. Isso também nos dá uma enorme vantagem, não reagir automaticamente pois respostas emocionais, automáticas, normalmente são desastradas. Existem pessoas mais ponderadas e pessoas mais explosivas de modo que a facilidade de internalizar esse hábito varia muito. Eu percebo que quando detecto um sentimento agressivo surgir tenho grandes chances de não me transformar no incrível Hulk. Quando não estou atento ao fluxo de minhas emoções em geral digo ou faço coisas que me geram arrependimento. A habilidade de auto-percepção continua sendo a base do auto-controle. Vejam o roteiro completo:

1- Pergunte: que necessidade minha não foi atendida? 2- Descubra que necessidade do outro não foi atendida. 3- Discuta as opções que devem atender a essas necessidades.

Quando transformamos discussões e agressões verbais em uma investigação sobre necessidades nossas e dos outros saímos de uma situação emocionalmente explosiva que nos priva de empatia e racionalidade e entramos em uma rota eficaz de resolução de conflitos. Experimente dizer a uma pessoa que se queixa de você que você gostaria de saber o que ela precisaria para não se sentir da forma que se sente. O efeito é impressionante. Mesmo que você não possa atender o pedido a intenção de entender o problema alheio com sinceridade quebra o ciclo agressivo. Tive uma experiência que me marcou pois ocorreu na companhia de um filho. Tínhamos a missão de compra um bolo de aniversário e como chovia fomos de carro, apesar da pequena distância.

O estacionamento da doceria estava lotado mas o da farmácia, que ficava em frente não. Eu deixei o carro na vaga da farmácia e atravessava a rua de mão dada com a criança quando ouvi um homem me interpelar de forma agressiva dizendo para voltar e tira o caso de lá. Era o segurança da farmácia, indignado com o uso indevido do estacionamento que tomava conta. O cenário estava armado: um sujeito grande e bravo gritando comigo na frente de meu filho. Confesso que fiquei imediatamente irritado e resolvi não responder. Entrei na loja de doces sabendo que na volta o segurança estaria ao lado do meu carro. Aquilo me deu tempo para pensar antes de agir. Seria ótimo se eu conseguisse fazer isso mais vezes! Pensei então:

1- Estou irado pois fui destratado na frente de um filho 2- Ele está enfurecido pois precisava ser considerado. Quando eu usei o estacionamento e atravessei a rua sem pedir nada a ele eu o ignorei e provavelmente isso ocorre com freqüência, gerando muita frustração. 3- Decidi reconhecer a necessidade dele.

Comentei com meu filho que eu tinha errado e iria pedir desculpas ao segurança. Na volta o homem bufava, tinha ficado uns dez minutos pensando no que iria acontecer e provavelmente antecipou um conflito. Me aproximei e disse: eu lhe devo desculpas. Sou cliente da farmácia há anos mas nós não nos conhecemos. Eu deveria ter te pedido o favor de usar uma vaga para não ficar na chuva com meu filho e por isso o senhor se sentiu desrespeitado. O sujeito ficou muito surpreso e imediatamente pediu desculpas por ter gritado. Trocamos um aperto de mão sincero e eu fiquei muito grato por ter conseguido pensar antes de reagir e dar um exemplo útil ao meu filho. Não tenho a pretensão de ser algum exemplo de controle emocional mas atesto que quando uso as técnicas que apresento elas se mostram eficazes. Também atesto que estou interessado em melhorar, todos os dias.

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