Multitasking: o lado perigoso e improdutivo de um mito

Primeiro vamos derrubar um  mito recente : multitasking, fazer bem várias coisas ao mesmo tempo. Segundo provocativo estudo de Stanford[ii] a turma que é especializada em pular de uma janela para outra, da famosa geração y, têm performance pior que os mais velhos e “ultrapassados” em tarefas que exijam capacidade de alternar a atenção na resolução de problemas. Incrível, mas verdadeiro. Cada vez mais gente lê, escreve e dirige ao mesmo tempo. Por pura ansiedade e dificuldade de controlar impulsos muita gente morre ou mata com o celular. Não acho que seja apenas ignorância pois é difícil acreditar que alguém questione a importância de olhar para frente enquanto dirige. Que me desculpem aqueles (geração y)  que gostariam de se sentir “diferentes” da geração passada mas o cérebro humano não ganhou a habilidade de processar atividades conscientes ao mesmo tempo. A ciência é clara:  ou você presta atenção à conta que está fazendo ou à música que está tocando ou ao que o locutor da televisão fala ou à mensagem de texto que chegou. O que ocorre é que ficamos pulando de uma tarefa consciente para a outra, mas jamais as executamos simultaneamente. Cada vez que pulamos de uma tarefa para outra, perdemos o embalo e a produtividade. Assim é nossa neurofisiologia, uma coisa de cada vez, se for bem feita. Você pode até automatizar algumas tarefas como comer e ver televisão, perdendo muito o sabor das coisas ou pode dirigir e falar (mantendo os olhos na pista) ao telefone, dirigindo pior[i], é claro. O mundo que nos cerca não oferece estímulos em uma fila comportada e por isso temos que alternar nossa atenção. Ganhamos acesso colossal à informação e conexão e os impactos são e serão  tremendos. Gostaria de trazer consciência para perdas e ganhos da nova ordem. Com isso pretendo deixar claro que podemos e devemos fazer escolhas a respeito do que ocupa nossa atenção.  Faça um teste[iii] com seus amigos, família ou equipes para atestar em menos de 2 minutos o fato de que pular entre duas tarefas é bastante improdutivo, mais que isso, compare os resultados entre adolescentes e adultos. Sua missão é fazer duas tarefas intercaladas. Consiste em escrever uma frase alternada com uma sequência de números muito simples. Escreva a frase:

Faço duas coisas ao mesmo tempo” sendo que para cada letra que você escrever, anote na linha abaixo o número correspondente a letra começando por 1 até a última letra, número 26. Vai ficar algo assim:

Faço duas  c o    i    s    a   s    a   o   m  e   s   m  o   t    e   m  p   o

1234 5678 9 10  11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26

Se você cronometrar o exercício, provavelmente vai encerrá-lo em cerca de 1 minuto. Após isso, se você fizer as duas tarefas em sequência, primeiro a frase e depois os números, deve encerrar em cerca de 35 s, quase a metade. Não se iluda, multitasking é uma postura que reduz produtividade e tem raízes claras na ansiedade e pressão para monitorar tudo ao mesmo tempo. Suspeito que há um componente ansioso, ligado a vício e sistema de recompensa neurofisiológico nessa epidemia. Não está claro se as pessoas buscam múltiplas fontes simultâneas pelo valor delas, por ansiedade ou simplesmente para escapar do tédio ou incômodo da tarefa presente. Sei que acabou o tempo onde se desligava o celular e não checávamos e-mails aos fins de semana mas estou convicto de que muitos, além da carga passiva de informação, ativamente buscam mais estímulos. Enquanto me aprofundo mais no tema deixo uma pergunta:  Você realmente procura minimizar seu multitasking ou tem hábitos que aumentam o problema?


[i] Christopher Chabris, The invisible gorilla. Livro que traz humildade a quem acredita piamente em sua memória e capacidade de prestar atenção. O autor apresenta um estudo de Brian Scholl, Nicholaus Noles, Vanya Pasheva e Rachel Sussman intitulado Talking on a cellular telephone dramatically increases ‘sustained inattentional blindness’. É constatado que dirigir falando ao celular prejudica dramaticamente a nossa capacidade de detectar mudanças inesperadas.

[ii] Eyal Ophir, Clifford Nass e Anthony D. Wagner:  Cognitive control in media multitaskers. O estudo mostra que a turma que gosta de fazer muitas coisas ao mesmo tempo acaba se saindo pior nisso do que quem não tem experiência em pular de galho em galho. Aparentemente os multitaskers se tornam muito sensíveis a qualquer informação mesmo que irrelevante e se tornam vítimas de sua propensào à distração quando têm que alternar tarefas.

[iii] Robert Crenshaw, The myth of multitasking. Adaptei esse exercício desse livro, voltado para produtividade, mantendo a mesma carga de tempo original.

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