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Esse foi um dos lugares inesquecíveis que fui em família no último ano. Ao tirar essa foto, em pleno paraíso, me peguei tenso e preocupado com algo pequeno e idiota. Ri de minha vocação para a eterna monitoração de problemas que não ocorreram e quase nunca ocorrem. Meu recém encerrado período sabático foi uma janela privilegiada para estudar e viver uma questão central que desperta atenção crescente no meio da neurociência e psicologia cognitiva. Se trata da eterna alternância entre nossa forma automática e impensada de ser com nossa forma refletida de ser.
Somos robôs animalescos na maior parte do tempo, com poucos momentos de clareza e análise. Somos robôs que obedecem a dois sistemas paralelos, cuja convivência nem sempre é cooperativa. O resultado da coordenação desses dois grandes sistemas rege nossa percepção e reação ao mundo, define a qualidade de nossas escolhas, o que dizemos e o que fazemos. Estou bastante amparado pela ciência e vivência para reconhecer que o modo automático de reagir é o predominante, infelizmente. A natureza dá extremo valor à velocidade de resposta e economia de energia.
Nosso sistema que pondera, pensa no amanhã e nas consequências de nossos atos perde tanto em velocidade quanto em consumo de energia para o nosso sistema automático. Refletir consome tempo e energia, e nossa mente tem um viés de curto prazo tal qual a esmagadora maioria das empresas nas quais trabalhamos. As forças competitivas que esculpem tanto sistemas nervosos humanos quanto corporações parecem sugerir que o futuro é condicionado à sobrevivência no dia de hoje. Nosso projeto original de cerca de 200.000 anos atendia necessidades comuns a qualquer mamífero que disputava a vida com leões, hienas e outros predadores do gênero, assumindo nossa origem africana.
Era essencial ter lá velocidade na reação à questões de vida e morte, sempre economizando a preciosa e escassa energia que não estava disponível em supermercados. Por esses 2 fortes motivos, somos colossalmente automáticos. O problema é que o sistema automático frequentemente considera pequenas coisas como ameaças de vida ou morte. Assim, qualquer ameaça à nossa auto-imagem, qualquer crítica, qualquer possibilidade de julgamento detona conhecidas reações bioquímicas que tranformam nossos cérebros e corpos em máquinas de combate, pouco inteligentes e reconhecidamente danosas aos outros e a nós mesmos.
Outro problema é que passamos cerca de 50% do tempo[i] em devaneios , em filmes mentais, muitos bastante tóxicos. A coisa potente e prática que podemos fazer a respeito é exercitar vigilância ao que pensamos. É o que se chama de meta-atenção, a capacidade de prestar atenção ao que estamos pensando e sentindo. Significa sair do modo automático e reassumir a oportunidade de usar os dois sistemas que definem nossas vidas de forma evoluída e confesso, antinatural.
A natureza nos fez reativos. O que você fará a respeito para aumentar seu grau de consiência sobre o que pensa, fala e faz? Em meu sabático, ao retirar 5 reuniões diárias, 6 vôos semanais, discussões sobre orçamento e outras características naturais da rotina corporativa de minha agenda, tive a chance de constatar que minha natureza automática não é fruto dessa agenda mas é algo profundamente entranhado no DNA humano e independente das pressões que atuam sobre nós.
O que ficou mais claro é que o preço de uma vida mais consciente e rica é o exercício diário e inegociável de auto-observação e autoconhecimento. Mesmo no paraíso sabático, continuamos bastante regidos por automatismos e loops mentais inúteis. É necessário, uma repetição, um trabalho mental de observação contínua. O que diferencia esse ótimo hábito dos outros? Aumentar a parcela de sua vida onde você é mais gente e menos animal. Mais presente e melhor no pouco tempo em que realmente vive e desfruta o que chama de realidade.
[i] Meta-awareness, perceptual decoupling and the wandering mind”, Jonathan W. Schooler, Jonathan Smallwood et al.
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