Trabalhadores, vendedores e maratonistas: você chega assim em casa?

A maioria dos executivos que conheço chega assim em casa na sexta-feira, quase caindo. A atleta da foto é Gabrielle Andersen-Scheiss[i] em sua chegada na maratona da olimpíada de Atlanta em 1984, diretamente para atendimento médico na pista. O sofrimento da atleta e sua determinação correu o mundo.  Eu pergunto: vale a pena chegar desse jeito? Eu entendo que não. Embora haja um crescente “culto à dor, ao sofrimento e ao desempenho a qualquer custo em boa parte das empresas, convém olharmos isso com serenidade. A turma que atua em vendas, principalmente, se identifica bastante com essa imagem triste. Eles normalmente tem metas mensais e correm em ritmo acelerado no final do mês para fecharem suas metas, sempre crescentes e decisivas para sua remuneração variável. O resultado é uma exaustão mental e física que resulta em um período de recuperação nas primeiras semanas do mês, que por sua vez força uma nova arrancada nas duas últimas semanas. E assim a vida passa, entre períodos de arrancadas e recuperação, com sérias contusões… Salvo alguns gestores comerciais de elite[ii] que conseguem dosar o ritmo de outra forma e permitir que sua equipe cruze a linha de chegada com energia para a próxima semana, a área comercial sofre conseqüências sérias por conta desse ritmo. Observo que mesmo quem não vive em regime mensal de metas também vive em ciclos de esforço e recuperação. Um bom amigo, executivo em tecnologia da informação, me disse ontem algo que é cada vez mais comum: “eu chego em casa na sexta sem condição de sair e só me recupero ao final do sábado”. O fim de semana passa a ser um evento “hospitalar, de recuperação de contusões emocionais”. Quanto tempo de convívio precioso perdemos com nossos amigos, filhos, parentes por conta disso? Assim como ocorre na atividade esportiva, só um trabalho intencional, técnico e perseverante protege quem trabalha. A preparação física é obviamente excelente para manter nosso entusiasmo e resistência emocional, contudo, além disso, chegou a hora das pessoas acessarem uma preparação ainda mais óbvia: preparação mental, preparação emocional. Quem também diz isso é Richard Davidson[iii], um dos mais reconhecidos neurocientistas do mundo. Ele lidera um novo ramo da neurociência, que investiga os benefícios do treinamento mental associado à meditação em seus vários tipos. Saiba mais a respeito, investigue sobre meditação, pergunte ao seu médico.Preparação emocional é coisa técnica, moderna e necessária para quem quer viver bem, até no fim de semana. A família agradece.


[i] Ela chegou em 37o lugar em uma prova onde a primeira colocada Joan Benoit é pouco lembrada. Foi a primeira maratona feminina olímpica. O calor era grande e Gabrielle, então instrutora de esqui com 39 anos claramente (para mim) foi muito além do aconselhável em relação aos seus limites. Optei pela grafia do nome tirado de site da BBC já que o primeiro nome dela vem grafado de várias maneiras, como sempre, na internet. [ii] Tenho um profundo respeito pela dificuldade que gestores comerciais enfrentam ao mudar esse paradigma de exaustão-dor-satisfação- recuperação mas entendo que essa rota não é sustentável nem é a mais produtiva. Falo a partir de experiência própria no comando de grandes forças de venda. É nítido o valor que vendedores dão à sua dor e sua luta e isso é preocupante. Não deveríamos vender nossa dor para viver não é? [iii] Richard Davidson se dedica à compreensão dos mecanismos da emoção no cérebro e se transformou em celebridade ao estabelecer parceria produtiva com o Dalai Lama. Os “atletas mentais” budistas estudados por eles fornecem provas encorajadoras de que o treinamento mental muda a configuração do cérebro e aumenta a ocorrência de estados mentais positivos e nossa resistência ao lidar com desafios. A neurociência contemplativa é um novo e promissor ramo que estuda os efeitos de diversos tipos de meditação no cérebro e na performance emocional. Isso vai dar conforto a corporações e escolas para que essas formas de preparação sejam oferecidas a todos.

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