Hábitos: entenda como funcionam

Tenho enorme interesse em entender como hábitos são formados, tanto os bons como os maus. Essa é uma questão central na busca de evolução pessoal. Aristóteles dizia que“somos o que fazemos repetidamente”. Pessoas e empresas se esforçam para imprimir bons hábitos em si mesmos com baixa taxa de sucesso, gastando muito tempo e dinheiro. Há muito esforço mas pouca técnica, em geral. Muitas tentativas se parecem mais com decretos do tipo “amanhã passarei a agir diferente”.

Para aumentar nossa compreensão e controle sobre os nossos hábitos, proponho a avaliação de um hábito recente e mortal, que ocorre em escala global e crescente. Ler e escrever enquanto dirigimos. Faça sua pesquisa [i] sobre o aumento de risco de acidentes que dirigir lendo e escrevendo gera e encontrará um número repetitivo: 23.  O risco de acidentes aumenta 23 vezes[ii]. Meu foco  é deixar claro o que se passa física e mentalmente conosco para que possamos fazer algo prático à respeito usando uma nova epidemia de nosso tempo.

Hábitos são loops, são rotinas gravadas em nossos cérebros. Desde a forma como escovamos os dentes, dirigimos nossos carros, respondemos à uma agressão,  ou checamos nosso celular 200 vezes ao dia, considere que somos seres altamente regidos por hábitos físicos e mentais. O mecanismo de um hábito envolve drogas internas, desativação de áreas cerebrais e “recompensas”.É um gatilho que dispara uma ação, motivada por uma promessa de recompensa. Um exemplo de gatilho é um toque ou luz piscando no celular.  A promessa de recompensa pode ser o alívio da tensão de saber o que está acontecendo.  O impulso tem um componente químico.

O gatilho inicia um processo onde áreas especializadas em nosso cérebro, os nossos centros de recompensa, são banhados com drogas que participam do processo que nos faz agir de forma automática e muitas vezes irracional.  O mecanismo é poderoso: não só produzimos drogas que estimulam a ação sem sentido, como os nossos centros de decisão[iii] “mais ajuizados”, próximos à testa,  são temporariamente “silenciados”. É isso aí, ficamos “drogados e irracionais”. Basta ouvir o som do celular acusando a chegada de uma mensagem e  uma onda de drogas internas, incluindo a famosa dopamina[iv] e uma expectativa de recompensa  induzem comportamentos tão irracionais como tirar os olhos da pista por vários segundos.  Às vezes nem provocação sonora ou visual há, o estímulo é mental. Basta lembrarmos de algo que “tem que ser feito naquele momento” ou simplesmente a angústia de se distrair com alguma coisa fora do momento presente para buscarmos recompensa na tela do celular. O que mais me interessa nessa discussão acalorada e necessária é um outro ângulo: usar a situação para formar um hábito essencial.  Quando somos invadidos por uma urgência de ler ou escrever enquanto guiamos, temos a opção de agir com consciência.

Nesse momento, o que é uma situação potencialmente danosa e irracional pode e deve se transformar em um essencial treino de autopercepção, onde cada um de nós tem a chance de enxergar de frente sua própria ansiedade e tendência à comportamentos automáticos. Cada vez que a racionalidade predominar e escolhermos não ceder ao impulso, nossos circuitos que operam para nos salvar de nossa natureza automática se fortalecerão, pois a repetição consciente  fortalece circuitos cerebrais[v]. Com a repetição da rotina de parar e analisar o que estávamos prestes a fazer damos mais um passo importante na direção de um ótimo hábito, talvez o mais importante de todos na busca por crescimento: parar e perceber o que estamos pensando. Estamos com isso fortalecendo nossos circuitos que comandam a autopercepção e fazendo dela um hábito, o passo zero de quem quer sair do piloto automático.

Caso perceba que simplesmente não tem ainda a força para lidar com essa compulsão ao volante, faça com você mesmo o que faria com um viciado a quem quer ajudar e tire o celular do alcance dele enquanto dirige. Tenha o novo hábito de guardá-lo, mude o som de aviso para ter chance de pensar antes de agir… Não consegue? Reflita: 23 vezes mais risco merece sua criatividade e empenho em descobrir o novo bom hábito que vai substituir um péssimo.


[i] http://www.distraction.gov/content/get-the-facts/facts-and-statistics.html  O site oficial do governo dos Estados Unidos sobre “direção distraída” é uma referência básica.

[ii] Esse número espantoso aparece no site da AT&T, Governo Americano etc. Ele veio de um estudo de 2009 da Virgina Tech (Universidade) e diz respeito ao aumento de risco de leitura e escrita de mensagens ao volante em caminhões pesados. Para quem quiser entender o estudo em profundidade:http://www.distraction.gov/research/PDF-Files/Driver-Distraction-Commercial-Vehicle-Operations.pdf

[iii] Há concordância ampla de que o córtex pré-frontal, perto de nossa testa, é responsável por funções de planejamento  e modera nosso lado mais impulsivo, automático.

[iv] Joseph LeDoux, Synaptic Self: how our brains become who we are: a dopamina é considerada um fator essencial nos mecanismos de recompensa e muito do que sabemos sobre esse assunto está baseado em torno desse neurotransmissor. Seu papel exato na motivação, recompensa e formação de hábitos é objeto de debate.

[v] Para entender melhor como o cérebro reforça seus circuitos com o uso veja o post sobre a importância da mielina

http://www.mariohenriquemartins.com.br/?artigos.xml!artigo=040404011

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