Já pensou como seria a vida se você tivesse a importantíssima habilidade de contar até 10 toda a vez que se sente prestes a explodir? Estamos de acordo que se tivéssemos a plena consciência do que sentimos e do que estamos prestes a fazer teríamos uma enorme vantagem sobre os que simplesmente reagem às suas emoções de forma animal? Muita gente morre em discussões tolas no trânsito e muitas palavras destroem futuros por falta de controle. Por falta de consciência do que estamos sentindo e estamos prestes a fazer sofremos muito. A frase “conhece-te a ti mesmo” é uma das mais importantes heranças culturais da Grécia antiga. Apesar de atribuída a vários filósofos, particularmente a Sócrates, foi reportada como uma das duas inscrições principais nas pedras de um importantíssimo centro de conhecimento: o Templo de Apolo, retratado na fotografia acima ( a outra frase era “nada em excesso”). Essa frase tem grande valor sentimental para mim pois meu pai a repete desde que ela soava muito estranha em minha infância (“conhece-te a ti” me parecia repetitivo, e essa é a idéia) até que se incorporasse como uma de minhas mais profundas crenças. Porque essas palavras atravessaram cerca de 25 séculos e chegaram até aqui?

Sentir

Vamos voltar a um exemplo que deve ser familiar a você. Todos temos em nossas relações uma pessoa que tem o poder de nos irritar. A voz delas tem o poder de nos perturbar e pequenas coisas, gestos, uma forma de rir ou de falar afeta nossa maneira de reagir. Essas pessoas têm o poder de encurtar nosso “pavio”. Vamos voltar ao assunto pavio com profundidade mais tarde usando um especialista em pavio-curto, o boxeador Mike Tyson e o craque francês Zidane, expulso há poucos minutos do fim de uma copa do mundo por dar uma nada sutil cabeçada em um zagueiro italiano. A frase “conhece-te a ti mesmo” aponta para a raiz dos problemas da humanidade: a falta de conexão entre o que fazemos e o que gostaríamos de ser por uma profunda ignorância em relação a nós mesmos. Eu aprendi que com fome ou sono fico irritadiço. É algo que alguns de meus filhos herdaram e posso observar com facilidade. Já aprendi que discutir algum assunto mais sério com minha mulher nessas condições multiplica o potencial de uma discussão pouco produtiva. Cada organismo tem respostas diferentes a estados fisiológicos (como o corpo está naquele momento) diferentes e eu tento identificar os meus.

Veja como as reações à bebida são diferentes: existe o afetuoso, o chorão, o agressivo, o alegre… Não se trata apenas de perceber estados ligados à drogas, sono, cansaço ou fome, o fato é que certas situações mudam nossa maneira de pensar e reagir. O medo é uma delas. Qualquer um de nós é capaz de caminhar por uma faixa reta com vinte centímetros de largura. Coloque a mesma faixa a 10 metros de altura e poucos repetiriam a tarefa. O fato é que as emoções que sentimos em relação ao que experimentamos define nosso padrão de reação. Como você interpreta uma palavra, uma expressão facial? Depende exclusivamente de você. Outro exemplo clássico para ilustrar que o sentimento define a maneira de decidir vem da comunidade médica². Perguntaram a um grupo de médicos a mesma coisa de duas formas. Apesar de que a resposta devesse ser a mesma do ponto de vista lógico, não foi assim que ocorreu. As duas perguntas eram:

1. Você faria um tratamento experimental onde ao final de 5 anos 90% dos pacientes estavam vivos?
2. Você faria um tratamento experimental onde ao final de 5 anos 10% dos pacientes não sobreviveram?

Apesar de idênticas do ponto de vista lógico, as perguntas despertam emoções muito diferentes: morte ou sobrevivência, e a pergunta 1 teve aceitação mais alta. Dependendo da emoção de fundo, as decisões mudam.O processo de conhecer a si mesmo é reconhecer cada vez mais freqüentemente que emoção estamos sentindo ou que podemos vir a sentir, e com isso assumir o comando de nossas reações, seja contando até dez antes de falar ou utilizando alguma respiração calmante simples. Contar até dez antes de reagir e saber respirar estão entre as coisas mais sábias do mundo e os que têm a disciplina de fazê-las tem uma vantagem colossal sobre os demais. São considerados maduros, controlados e seguros. Um dos piores hábitos profissionais que conheço é pedir para falar com alguém que nos desagradou imediatamente após de receber a má notícia.

“Quero falar com ele agora!” não é uma frase de quem se conhece. Chamar alguém para uma conversa no auge da irritação não dá certo, mas ainda é um hábito bastante freqüente. Experimente redigir, sem enviar, a resposta a um e-mail que o irritou. Possivelmente uma hora depois você vai retirar alguns negritos, vai colocar menos letras maiúsculas, pontos de exclamação e interrogação e outras formas de “agressão escrita”. Conhece-te a ti mesmo, seja dono de suas ações através da percepção de si mesmo. É uma jornada sem fim, é uma jornada de crescimento, evolução profissional e pessoal. Vamos entender em seguida qual é o primeiro passo dessa jornada.

[1] Autor desconhecido, Templo de Apolo em Delfos. Nesse templo uma mulher chamada de pitonisa, fazia adivinhações, prevendo o futuro. Seu nome vem de outra denominação do deus Apolo, Pítio, deus da adivinhação.

[2] McNeil, Pauker, Sox, Tversky, 1982, New England Journal of Medicine, On the elicitation of preferences.