Vocabulário emocional importa

Daniel Kahneman[i] é um dos mais influentes pensadores da atualidade por seu trabalho em demonstrar que somos bem menos racionais do que imaginamos. Ele popularizou o conceito de que nossas ações são regidas por dois[ii] sistemas bastante diferentes e que somos predominantemente automáticos. A evolução selecionou mentes voltadas para a velocidade de reação e não para a reflexão. Kahneman integra o time de cientistas que ajudou a colocar as emoções humanas em lugar digno de debate para gente de terno e gravata que há muito pouco tempo achava que emoção não tinha lugar no ambiente de trabalho.

Hoje, empresas excepcionais buscam excelência emocional declaradamente. Kahneman costuma repetir de forma singela mas absolutamente profunda que sua expectativa é enriquecer o vocabulário das pessoas na pausa para um café quando discutem os julgamentos e decisões dos outros. Em minha experiência profissional constatei que um ganho nítido de performance ocorre quando um grupo desenvolve seu vocabulário sobre emoções e usa um dialeto comum para lidar com elas. São raras as empresas (e famílias) que não têm sua cota de indivíduos abrasivos[iii] perto do topo.

Essas pessoas chegam lá por qualidades baseadas em sua intensidade e necessidade de conquista e frequentemente deixam hematomas sociais e dor à sua volta. Elas imprimem um custo emocional à organização. Nas melhores experiências que tive com essas feras (as de bom coração, é claro) percebi que quando o grupo aprende a expressar suas emoções e necessidades com um vocabulário comum, quase uma gíria interna, a gestão emocional dos conflitos e os tempos de recuperação de conflitos melhoram de forma visível. Todos nós temos botões que quando acionados desencadeiam o máximo de nossos automatismos e o pior de nós mesmos. Quando um grupo evolui em autoconhecimento a ponto de cada indivíduo saber quais botões que quando apertados reduzem a sua racionalidade, um passo essencial é dado.

Quando um grupo evolui a ponto de compartilhar e falar abertamente (mas com jeito) sobre que botões devem ser cuidadosamente gerenciados para garantir que o incrível Hulk esteja fora da sala de reunião um nível maior de resultados é obtido. Isso ajuda muito na prática pois dá ao outro a opção preciosa e rara de refletir antes de reagir automaticamente. Reparem que quando transitamos perto de pontos sensíveis do outro, perto das necessidades específicas de cada perfil, sensibilidade é necessária.  Parece óbvio, mas boa parte das pessoas acha cansativo, custoso  adaptar seu estilo de comunicação a cada interlocutor.  Na prática a maioria dos grupos segue apertando os botões errados dos outros. Ligando tudo isso, um vocabulário comum e bem humorado sobre as coisas que nos tiram do sério é de fundamental importância para que pessoas e times de alta performance se desenvolvam. Isso também funciona em casa, é claro.
[i] Prêmio Nobel de economia em 2002. Considero a leitura de “Rápido e devagar: duas formas de pensar” importante para quem gostaria de compreender melhor a si mesmo. Caso tenham apetite para leituras mais áridas que fundamentam esse livro sugiro “Heuristics and Biases” e “Choices, Values, and Frames”onde o autor divide espaço com outros pesquisadores, em especial seu parceiro já falecido Amos Tversky.

[ii] Steven A. Sloman: The empirical case for two systems of reasoning. A idéia de que nosso processo de tomada de decisões é baseado em dois sistemas é bastante aceita como modelo simplificado. Além de Sloman; Evans & Over (1996), Stanovitch (2004) e Kahneman & Frederick (2005) são recorrentemente citados para basear essa teoria.

[iii] Escrevi post específico sobre essas “feras”.  http://mario.provisorio.ws/feras/

2 Comments
  • Angela
    Março 8, 2016

    Querido Mário.
    Me exercito diariamente no intuito de identificar esses botões alheios e quem sabe até os meus…nao é mesmo?!

    • mario_henrique_martins
      Março 25, 2016

      É Angela, o exercício é diário e interminável. É o tal do Tao.

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