Tempo perdido e neurociência

Um bom amigo, executivo experiente, me confidenciou que prejudicou um fim de semana com sua família em um resort, culpado por se sentir profundamente angustiado. O motivo: na sexta, antes da viagem, seu nome apareceu por último em uma seqüência de nomes em um email enviado pelo presidente do conselho. “Normalmente meu nome vinha em primeiro ou segundo e isso me deixou sobressaltado”. Um hábito central para evolução pessoal é o de sistematicamente confrontar nossos próprios pensamentos de forma crítica. Eles são apenas pensamentos.

Sabemos que produzimos continuamente um fluxo mental de filmes e opiniões baseados em um sistema automático. Sabemos que estes filmes, dramalhões ou pérolas de suspense e terror são desprovidos de qualquer análise que é característica de outro sistema nosso, aquele que pesa fatos e possibilidades. O sistema que produz os filmes que nos atrapalham opera em tempo integral e não nos custa esforço. Já o segundo sistema, aquele que usa a nossa racionalidade, este opera de vez em quando, custa trabalho e energia (consome mais glicose).

Aí está a raiz de uma enorme família de aflições da humanidade: somos predominantemente automáticos e acreditamos que nossos pensamentos automáticos refletem a realidade e não confrontamos esses pensamentos com frequência. Nosso jeito automático de ser foi aperfeiçoado por milhões de anos com uma missão: nos manter vivos para reproduzir e proteger nossos filhos até sua independência. É portanto um sistema que julga o mundo por um padrão hipervigilante, armado e com lentes sensíveis a qualquer indício de ameaça.

Por isso qualquer indício de ameaça é normalmente exagerado como tema de vida ou morte. Somos sobressaltados em relação a indícios de que nosso status ou imagem podem estar sob ameaça. Não há nada de errado ou extraordinário nisso. É assim que a mente opera, vasculhando o ambiente em busca de ameaças. O que faz toda diferença é confrontar nossas reações automáticas e defensivas pois sabemos que o grau delas está quase sempre exagerado. A ordem em que seu nome aparece em um email, na imensa maioria dos casos, não justifica a perda de um momento dourado em família.

Dica prática[i]: se você precisa confrontar um alerta interno, faça a si mesmo a pergunta: o que eu diria a um amigo nessa mesma situação? Essa é uma forma clássica de acionar nosso sistema racional e preguiçoso. Se isso não reduziu sua ansiedade de forma relevante, repita o processo. A sentinela é insistente mas “se cansa”[ii] quando você dá mostras que está atento ao problema.

Fecho com o genial Mark Twain[iii] que em uma linha diz tudo sobre esse tempo perdido:

“Passei por coisas terríveis na vida e algumas delas de fato ocorreram.”


[i]  Learned optimism; Martin Seligman. O autor diz que há 2 maneiras básicas de lidar com pensamentos pessimistas: tirá-los da cabeça voluntariamente ou confrontá-los. Ele acredita que a confrontação é mais eficaz pois pensamentos que foram confrontados e derrotados tem menos chance de reaparecer.

[ii] Apenas uma metáfora para enfatizar a necessidade de persistência contra os pensamentos intrusivos que também parecem persistentes.

[iii] Mark Twain, cujo nome era  Samuel Langhorne Clemens, tem extraordinária importância na literatura americana. Teve vida rica em experiências e dissabores e considero essa sua frase, no contexto de quem viveu intensamente, um estímulo à vigilância do que pensamos. Como curiosidade, nos dias de seu nascimento e morte o cometa de Halley estava visível no céu. Isso não quer dizer nada em minha opinião mas as pessoas são fascinadas por padrões certo?

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