Se é de graça, tem valor?

Como respirar é de graça pouca gente leva isso a sério, faz parte da natureza humana preferir pagar caro por atalhos que não funcionam. Quando a preocupação bate sob a forma de pensamentos alarmistas e repetitivos, qual é a sua estratégia? No último post dei a sugestão clássica: confrontar nossos pensamentos catastróficos com a análise da probabilidade deles, de forma semelhante com que fazemos com um amigo que está preocupado.

E insistir…  Os loops ansiosos, parecidos com pessoas insistentes, perdem força quando contra-atacamos com a mesma persistência.A sugestão é boa mas incompleta pois não usa o canal decisivo para influenciar a mente: o próprio corpo. Temos um circuito automático comprovadamente poderoso em nosso favor: respire calmamente e a mente se acalma. Essa é uma daquelas coisas que fazem todo o sentido e quase ninguém faz.

Quando confrontamos um pensamento alarmista qualquer apenas no plano mental, estamos abrindo mão da influência poderosa que a respiração possui em dar poder à nossa racionalidade. É sabido que se a resposta emocional for muito alta a racionalidade vai embora e simplesmente “perdemos a cabeça”. Nesses momentos perdemos a contribuição de nosso sistema moderador que confronta racionalmente as nossas respostas automáticas e quando a recuperamos pode haver um corpo estendido no chão ou uma relação que se quebrou. Para ter chance de conter esse fenômeno, esse “sequestro emocional[i]” é sábio usar o corpo. As regiões do cérebro mais identificadas com o raciocínio e a ponderação dos fatos são “desligadas” quando a temperatura emocional sobe muito.

Quando isso acontece repare que o corpo entra em um padrão de emergência onde a respiração segue também um padrão curto, sem profundidade, que cada um de nós deve observar e ajustar em si mesmo através de respiração consciente. Para nosso alívio, se voluntariamente respirarmos de forma tranqüila e relaxada, a escalada que leva ao sequestro emocional é retardada de forma eficaz. No ritmo respiratório calmo, o ritmo cardíaco[ii] é imediatamente alterado para estados que informam o cérebro que tudo está bem e não há razão para sair do sério. A forma mais potente de lidar com um fenômeno que envolve corpo e mente, utiliza então o corpo, através da respiração e a mente através da confrontação implacável que nosso sistema “racional” oferece ao nosso sistema automático.

Se você pensa que tudo o que escrevi é o velho “respire fundo e pense melhor”, você está correto. Apenas colaboro para repetir essa máxima de formas diferentes. Como acontece com qualquer ótimo hábito, vale perseverar para incorporar. Como você está respirando agora? Faça essa pergunta mais vezes a si mesmo e para quem você gosta. Respirar certo leva a melhores avaliações e decisões.


[i] Esse termo ganhou popularidade através de Daniel Goleman que apoiado no trabalho de Joseph LeDoux trouxe para leigos a noção de que a amígdala cerebral (para os mais rigorosos: corpo amigdalóide) atua de modo a promover sequestros em nossa racionalidade dando chance a reações tremendamente automáticas que podem variar de xingar alguém no trânsito até uma inocente gargalhada explosiva ao ouvir uma piada.

[ii] Heart brain neurodynamics; Rollin McCraty. Já em 1906 Ludwig van Muller observava que o ritmo cardíaco não só era afetado por emoções mas o contrário também ocorria. As técnicas respiratórias e meditativas que buscam influenciar a coerência cardíaca  se apoiam nessa noção. Se o coração bate de um jeito harmônico, a mente se configura em um estado harmônico. Temos automatismos que podem e devem ser explorados para através do corpo influenciar a mente.

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