Enquadramento : o que você destaca em seu argumento?

Quem fotografa uma paisagem tem que decidir o que cabe na foto. Quem quer convencer ou informar alguém deve decidir o que cabe na descrição do problema. Para enquadrar bem uma questão e obter apoio para o seu encaminhamento é essencial entender duas características da mente. A primeira característica é que pensar dá trabalho e consome muita energia do cérebro.  A segunda é que o cérebro deciderapidamente e seletivamente sobre poucos fatos. Muitos não prestam atenção a essas duas questões e não apenas cansam ou irritam seus interlocutores com relatos muito detalhados mas também apresentam seus casos de forma a afastar o sim que tanto desejam ao escolherem mal os poucos fatos que orientam a decisão. Para entender bem a primeira característica lembremos que é muito mais fácil decidir algo usando nossos circuitos intuitivos e automáticos. Já as partes de nosso cérebro que produzem raciocínio e atenção exigem muito esforço para esse processo. Exemplo:

1-    Quer comer algo doce agora?

2-     37x 45=?

A primeira resposta é intuitiva, automática e fácil. A segunda envolve muito mais esforço e é lenta. Sistemas muito diferentes cuidam dessas perguntas no cérebro. Toda  vez que pedimos atenção ao sistema que envolve raciocínio, pode estar certo de que estamos cobrando um preço em termos de energia e concentração a nós ou a alguém. Quando desrespeitamos esse princípio fundamental, que raciocínio tem custo energético (cansa), encontramos dificuldades em convencer alguém de alguma coisa. Poucas pessoas investem sua atenção em escolher e ordenar seus argumentos de modo a facilitar o trabalho de quem ouve e decide. Uma boa parte da humanidade fica ansiosa para identificar rapidamente “qual é o ponto” quando alguém começa uma narrativa. Chegamos então à segunda característica importante. Precisamos enquadrar bem o caso que apresentamos. 

Enquadramento (framing), o processo de selecionar e ordenar argumentos em uma pergunta ou exposição, é um aspecto muito estudado pela psicologia cognitiva e neurociência pois impacta tremendamente as decisões individuais, consumo, eleições e muito dinheiro. O princípio é muito simples: você pode apresentar o mesmo problema de formas diferentes e gerar respostas muito diferentes. Aqui vou abusar um pouco de seu sistema cerebral que exige esforço, mas é apenas uma migalha comparada à 37x 45. Eu apresento um problema que requer sua decisão de duas formas diferentes. A decisão que você deve tomar é: Você aceita participar de um tratamento com droga experimental para combater uma doença grave? Vou enquadrar a consulta de duas formas antes de fazer a pergunta. Na primeira digo que 10% dos que usaram o remédio morreram no primeiro ano. Na segunda, digo que 90% dos que usaram o remédio viveram mais que um ano. Perceba que as duas formas são matematicamente idênticas[i].

Se fossemos puramente racionais o nível de adesão às duas perguntas deveria ser idêntico, mas como não somos, a segunda forma de perguntar, que fala em vida, tem mais adesões. Um enquadramento diferente provoca emoções diferentes e decisões diferentes. Temos dois grandes sistemas de decisão, um rápido e outro lento. Considere que tipo de enquadramento está sendo usado e se ele gera as emoções apropriadas e economiza o esforço para decidir. As pessoas ditas jeitosas, no fundo, respeitam a mente humana e sua forma de decidir. Pense na moldura e no que vai dentro do quadro, o resultado será muito melhor que o obtido por improviso.


[i] Entenda melhor enquadramento lendo o clássico “Pensando rápido e devagar, duas formas de pensar” de Daniel Kahneman, prêmio Nobel. Ele cita o estudo descrito acima e que foi respondido por médicos. Se médicos são traídos por seus bugs mentais em questões médicas imagine o caso de quem não é expert..

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