Neurociência dos conflitos: nosso lado animalesco

Em uma discussão, quando as pessoas ficam cada vez mais próximas e  curiosamente falam cada vez mais alto, elas demonstram que estão caminhando para a perda total das capacidades que nos diferenciam de um babuíno enfurecido. A dinâmica de um conflito é claramente dependente das emoções das partes. Seja com um filho, namorado, chefe ou cliente, tem hora que alguém começa a falar mais alto. Aí é útil entender o que está por trás desse fenômeno e o que fazer na prática. Esse artigo é inspirado em conversa que tive ontem com a renomada especialista em mediação de conflitos, Dra. Gabriela Asmar[i] .

Uma de suas iniciativas me chamou muito a atenção. Ela conseguiu colocar em prática um programa em 10 escolas públicas no Rio para ensinar mediação de conflitos para crianças que certamente vão ter habilidades emocionais essenciais desenvolvidas, em uma iniciativa moderna, corajosa e que faz total sentido prático. Precisamos de mais gente capaz de perceber a transformação que ocorre nas pessoas durante conflitos, e de pessoas que se mantenham racionais apesar do impulso quase irresistível de se animalizar. Quando um estímulo que nos desperta medo ou raiva aciona alguns botões especializados em nosso cérebro (nossa famosa amídala cerebral) o nosso cérebro muda de forma clara. Uma das funções cerebrais que é muito prejudicada na hora em que alguém começa a gritar é a empatia, a capacidade de enxergar e prever pensamentos e emoções no outro.

Parece que o outro fica cada vez mais longe de nós e mais incapaz de nos ouvir quando o que acontece é o oposto: nós ficamos surdos e cegos. Aos primeiros sinais de que alguém está ficando surdo e cego emocionalmente, e eleva a voz, a esperança recai sobre aquele que ainda não “surtou”. Recomendo uma combinação de duas técnicas potentes para evitar o contágio emocional que a raiva provoca em situações comuns e sempre perigosas. Use uma imagem mental e o poder de sua respiração sobre o cérebro. Eu com frequência negociei com gente muito nervosa e agressiva.

Aprendi a enxergar além da raiva e imaginar aquela pessoa me pedindo ajuda,com a mão estendida. Isso em meu caso evoca sentimentos ligados a apoiar alguém que sofre. Consigo ouvir um pedido de forma mais produtiva que uma ordem mal educada. Por isso intencionalmente me forço a enxergar o quadro por outro ângulo. Repare que a raiva é um sintoma de algo sempre mais importante: uma necessidade não atendida. Treinar a identificar a necessidade não atendida que  provocou a raiva, tanto no outro como em nós mesmos[ii] , é o passo essencial para evitar que embarquemos em outra resposta automática raivosa. Ao mesmo tempo em que pratica uma mudança de perspectiva sobre a situação, lembre que a respiração é capaz de reconfigurar automaticamente várias funções cerebrais.

Respire relaxadamente, dando mais tempo para a expiração umas 3 ou 4 vezes. Isso aciona o nosso freio fisiológico, o chamado sistema parassimpático. Mude a lente com a qual você enxerga a situação e use seu próprio corpo para acalmar a mente. Sabemos disso há milhares de anos e nos últimos 20 constatamos essas coisas através da neurociência. É hora de usar o que sabemos.


[i] Coordenadora da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB RJ e Diretora Executiva da organização Parceiros Brasil
[ii] Marshall Rosemberg: Non-violent communication
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