Julgando vinhos e pessoas

54 alunos do curso de enologia da Universidade de Bordeaux confundiram vinho branco com tinto[i].  Foram enganados em famoso estudo científico e descreveram um vinho branco adulterado com corante vermelho como se fosse tinto. Confundir branco com tinto parece impossível para um especialista? Imagino que os participantes da pesquisa saíram mais humildes do evento. Os vários estudos publicados nessa linha dão uma sensação estranha de que essa turma que detecta frutas vermelhas, couro, cavalo suado e tabaco na bebida  pode estar viajando um pouco. Pode ser que eles realmente percebam esses aromas mas é fato que alguns dos aromas podem ter se formado em suas mentes através de muitas outras vias que não a olfativa/gustativa. Temos ilusões visuais, musicais e olfativas. Também somos claramente influenciados pelo rótulo e preço. Quando uma degustação é feita às cegas, sem nenhuma pista do que estamos bebendo, muito vinho caro perde para vinhos desconhecidos e um evento como esse está por trás da entrada da então desconhecida região de Nappa Valley na primeira divisão de vinhos ao derrotar os melhores vinhos franceses em maio de 1976. A partir desse momento ficou mais claro que bons vinhos poderiam ser feitos em lugares novos e inesperados. Eu aprendi a gostar de vinhos e toda a conversa legal que eles despertam quando amigos se reúnem em torno de uma garrafa. Tenho aprendido que a nossa automática mente avalia o vinho usando coisas que passam pela cor (aí eu perco um pouco pelo daltonismo) , temperatura do ambiente, expectativa do que vai encontrar & preço, informação prévia das uvas, beleza da taça, tipo de música que está tocando, humor das pessoas e até… o vinho. Quando avaliamos uma pessoa ou um caso somos também fortemente influenciados por um monte de coisas externas ao objeto de nossa avaliação. Isso deveria nos dar humildade em relação à nossa habilidade em julgar e nos forçar a avaliar melhor nossa própria situação a cada momento como um componente que aguça ou distorce nossas capacidades. Julgar com dor, com fome ou com raiva provavelmente nos dá um filtro amargo para avaliar as coisas. Acho que o vinho nos ensina que o ato de julgar alguém depende de um monte de coisas além de nossa variável capacidade de julgar.

[i] Gil Morrot, Frédéric Brochet e Denis Dubourdieu. (2001) The color of odors. Faculté d’oenologie de Bordeaux

2 Comments
  • Marcelo Barp
    Março 29, 2015

    Graaaaaaande Mario Martins! Mais um texto bom de ler. Um forte abraço!

    • mario_henrique_martins
      Abril 3, 2015

      Barp que honra ver você aqui. Forte abraço!

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