Somos bons juízes? depende se estamos com fome…

Na próxima vez que você for julgar algo importante ou for ser avaliado por alguém, tenha consciência do seu grau de fome ou do grau de fome de seu avaliador. A fome influencia de forma importante nossa maneira de decidir. O estudo[i] que inspirou esse artigo foi editado pelo prêmio Nobel Daniel Kahneman e mostrou que juízes que  costumam aprovar somente um em cada três pedidos, não aprovam nada com fome e depois de alimentados aprovam dois em cada três (o dobro da média). Estamos falando de juízes experientes, que mostram uma incrível e previsível variação de performance ao longo do dia, alheios ao que estava acontecendo em seus corpos e mentes… Se pessoas normais, incluindo seu chefe, clientes e você também se comportam assim, vamos admitir que nossa forma de decidir varia como uma montanha russa em função de algo tão mutável como a quantidade de açúcar em nosso sangue. Outro estudo nessa linha mostrou que cometemos mais erros de julgamento em opções difíceis[ii] dependendo do nível de glicose em nosso sangue. A turma que tomou uma limonada com açúcar se saiu melhor do que a que tomou a mesma limonada com adoçante… Não estou aqui, é claro, defendendo o açúcar refinado, que tem sido um vilão[iii] crescente na saúde pública. Acredito que o esforço de se conhecer melhor de forma ampla, corpo e mente, é uma busca por um comportamento mais justo, menos pautado pela nossa imensa vocação para viver em piloto-automático. Esse caso é triste, pois afeta o direito de pessoas à liberdade,  e ilustra como a racionalidade pura é um mito que não sobrevive à uma investigação mínima sobre como nossos corpos e mentes operam. A única forma de lidar melhor com nosso jeito automático de decidir é aprendendo sobre ele e exercitando a atenção sobre o que fazemos. É o autoconhecimento. Prestar atenção ao que fazemos é paradoxalmente contrário à nossa natureza  e favorece decisões mais conscientes e uma vida mais útil e plena. Pense nisso na próxima vez que tiver que decidir ou pedir algo importante com fome ou após uma bela sobremesa. Já observou seu perfil de decisão em função disso?


[i] Shai Danzinger, Jonathan Levav, Liora Avnaim-Pesso: Extraneous factors in judicial decisions. Um grupo de 8 juízes experientes em Israel gerou dados impressionantes em relação à influência dos períodos imediatamente antes e apos refeições no seu padrão de concessão de liberdade condicional. Para quem acredita que juízes decidem de acordo com os fatos e a interpretação da lei esse estudo é no mínimo incômodo. Passei a vigiar meus impulsos ao decidir com mais cuidado em momentos onde a fome bate ou após a sobremesa…
[ii] E.J. Masicampo e Roy Baumeister: Toward a physiology of dual-process reasoning and judgment. Dentro da linha de pesquisa que supõe que temos dois sistemas básicos de decisão, onde um é automático, associativo e intuitivo e outro requer esforço e é baseado em lógica, foi constatado que a eficácia com que o sistema lógico nos defende de decisões intuitivas pobres depende da disponibilidade de energia (glicose) no cérebro. Tarefas que dependem de força de vontade são particularmente exigentes dessa disponibilidade de energia.
[iii] David Servant-Schreiber: Anticâncer.O melhor livro sobre a doença que conheço. O metabolismo de tumores cancerosos é muito dependente da disponibilidade de glicose. Nosso consumo de açúcar refinado saltou 14 vezes de cerca de 5 kg/pessoa/ano em 1830 para cerca de 70 kg/pessoa/ano no fim do século XX

No Comments Yet.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *