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Isso vale para quem não vende e para quem vende. Em mais de duas décadas atuando na linha de frente, em muitos países, sempre chamou minha atenção o nível de raiva que existe dentro das equipes comerciais em relação aos seus clientes. A turma comercial sempre elege um grupo de clientes que é “satanizado” considerado como a expressão do mal na terra. Muitas vezes estes se encontram entre os maiores clientes, o que gera emoções muito destrutivas dentro da equipe.
Como sabemos que isso é um problema real, que a raiva faz muito mal à saúde[i] e distorce nosso julgamento[ii], escrevo hoje sobre o tema apoiado em um prêmio Nobel de literatura, em um renomado especialista em negociação e em meu amigo Valcir, gerente comercial no interior de São Paulo que atua em um ramo muito exigente em termos emocionais. Começo colocando o desafio global proposto por Valcir: como é possível atender um cliente que nos desperta emoções tóxicas (que nos fazem mal) com menos desgaste? A resposta começa com uma frase preciosa de Luigi Pirandello[iii]: “assim é se lhe parece”. Não existe o que chamamos de realidade, só existem interpretações. Se você acha que o cliente é truculento, que não reconhece seu esforço, é malvado e quer o sofrimento de todos , você acaba de fabricar um lobisomem satânico que tem poder sobre você. Admito que a vida nessas condições é um horror sem fim.
Robert Mnookin[iv] é uma das maiores autoridades em negociação do mundo. Em seu livro “Negociando com o diabo”ele ilustra as conseqüências de considerar o oponente em uma negociação como uma figura maléfica. A conseqüência que mais se aplica aqui é que isso afeta nosso julgamento e o torna pobre. Quando transformamos qualquer relação entre uma batalha entre o bem e o mal passamos a desconsiderar qualquer argumento do outro lado já que acreditamos que tudo é mentira ou feito para nos prejudicar. Em resumo, “satanizar”o cliente faz mal a nossa saúde e nos “emburrece”. A saída está baseada na frase de Pirandello e depende de como você deseja enxergar o cliente ou simplesmente o outro. Mudar a nossa perspectiva em relação ao que nos acontece é uma das grandes habilidades necessárias no caminho do autoconhecimento. Conheço grandes negociadores e vendedores que conseguem , nas palavras deles, olhar seus clientes mais “abrasivos”como feras (leões, onças, tubarões ou mesmo serpentes), mas não como monstros.
Eles dizem sabiamente que não faz sentido odiar um leão pois sabemos que sua natureza é previsível e leonina (desculpe o trocadilho infame). Com isso tiram de sua perspectiva sentimentos de injustiça que geram reações fortes em qualquer pessoa normal. Se você não espera carinho e reconhecimento de um leão, faz sentido esperar que um cliente deixe de falar em preço ou reclamar diariamente de seu nível de qualidade só por que você o atende com muita disposição há anos? Acho que muitos de nós esperam ser tratados como amigos ou parentes em relações profissionais e esquecemos que na “selva corporativa” existem muitos tipos de predadores e presas. O que consideramos “um mínimo em termos de tratamento” pode não ser realista. No final das contas, “Assim é, se lhe parece”.
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