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A diferença no consentimento de pessoas de países diferentes em doar orgãos é chocante[i]: alemães com apenas 12,0% versus quase todos os franceses com 99,9%. Seu cérebro, craque em saltar para conclusões automáticas já tem sua versão preferida. É o famoso sistema 1, que rege os destinos da humanidade. Não me atrevo a adivinhar qual foi a sua justificativa mas conheço uma ou duas possibilidades comuns e erradas incluindo o mito de que alemães se parecem com os soldados nazistas que nos foram apresentados em 287 filmes americanos… De fato a Europa está nitidamente dividida nesse aspecto com um bloco de países onde as pessoas tem propensão baixa para doar orgãos, incluindo a Inglaterra com 17%[ii] e outro bloco integrado entre outros por Portugal e Suécia que tem acima de 85% de “generosidade”. A resposta para essas diferenças impressionantes não está na alma, religião ou cultura popular mas na forma como nossa mente lida com situações incômodas e complexas, como é o caso. Nos países onde o consentimento para doar é baixo como Alemanha e Inglaterra os formulários de autorização exigem que as pessoas marquem ativamente uma caixa dizendo que são doadoras. Nesse caso a maioria não faz nada e por consequência não doa. Já nos países “generosos”como a França e Portugal os formulários exigem que as pessoas marquem ativamente a opção de não doar. De novo, a maioria não faz nada, mas o resultado é oposto pois não fazendo nada se tornam assim doadoras. A natureza da mente foi a mesma internacionalmente: preferir não decidir sobre algo complexo e incômodo, deixando as coisas como estão. O que mudou foi o design do formulário. Na próxima vez que você for marcar uma inocente caixinha de formulário esteja consciente de sua tendência de não decidir sobre coisas chatas mas saiba que alguém que está por trás do formulário sabe disso. Nossa mente é muito, muito preguiçosa e prefere rotas velozes (automáticas) e pouco exigentes em termos de consumo de glicose e oxigênio. Tem gente que é ótima em preservar a situação atual “oferecendo” rotas trabalhosas de mudança. Também tem gente pouco hábil em implementar mudanças carregando demais no trabalho e dor que isso implica. Você está em qual categoria?
[i] Eric Johnson e Daniel Goldstein da Columbia University publicaram na Science de novembro de 2003 o clássico Do defaults save lives?
[ii] Se você pensou, “hum, ainda assim os ingleses são claramente mais humanos que os alemães dada a diferença de 12% para 17%” não se preocupe. Você apenas foi vítima da tendência que temos em adotar fatos que confirmam nossas hipóteses iniciais automáticas, o famoso viés confirmatório.
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