O arroz de pato imperfeito

Adoro cozinhar. Para lidar com minha inexperiência e altíssima distração uso humildemente um check list. Além de seguir os passos da receita eu vou “ticando”. Coisa de engenheiro muito distraído que cozinha de forma nerd e metódica. Já chegando a quase três anos de dedicação prática e teórica identifiquei em mim um dos meus bugs humanos favoritos: o excesso de confiança. A ciência comportamental estuda bastante o fato de que humanos tendem a superestimar suas habilidades e probabilidades. Os campeões são os empreendedores[i]. São estudados pois contribuem para a sociedade com inovação preciosa baseada em evidente incapacidade de julgar os riscos de execução de suas idéias. Pouquíssimos trazem grandes e necessárias inovações enquanto a enorme maioria fracassa. Essa nova geração que vive um surto de ter seu próprio negócio, fazer seu App milionário, constata que empreender com sucesso segue sendo para poucos apesar de todo o empreendedor achar que será um deles. A tendência de nos acharmos melhores do que realmente somos atinge a todas as categorias. Um estudo clássico[ii] mostra que 94% de professores universitários se considera acima da média… Apesar de haver sólidas evidências acadêmicas[iii] sobre o fato que médicos mudam seu comportamento em função dos incentivos que recebem da indústria de medicamentos (brindes, amostras, jantares, congressos) apenas 16% dos médicos acha que pode ter suas decisões influenciadas por conflito de interesse[iv]. Já quando perguntados sobre a chance de seus colegas não resistirem a agrados e mudarem suas decisões a resposta é mais realista: 61%. A maioria de nós não vê problema em escrever e ler dirigindo[v] pois achamos que temos tudo “sob controle”. Obviamente achamos que os outros são perigosos nessa condição. Voltando à minha cozinha e meu excesso de confiança, confesso que de uns tempos para cá comecei a usar menos meu check list. Alguns amigos me dizem que “receita é coisa de iniciante… mais para frente você vai fazer tudo só com intuição….”. Depois de 12 horas fazendo um arroz de pato elaborado, receita do Troisgros, justo na hora de servir localizei uma falha grave: um bouquet garni solitário na bancada. Deixei de fora da receita aquelas ervas maravilhosas e cuidadosamente amarradas com barbante. Por puro excesso de confiança. Acho que no meu caso a estratégia correta é jamais me considerar algo mais que um iniciante e sempre usar meu maior defensor para esquecimento de etapas: o check list… humilde e imbatível para nos defender de nossa soberba natural.

[i] Tenho grande apreço por empreendedores. Meu avô Henrique Martins foi um desses homens que assumem grandes riscos e seguem a vida na montanha russa. Também passei muito tempo julgando projetos e conhecendo de perto centenas de empreendedores.

[ii] Not can, but will college teaching be improved? K. Patricia Ross

[iii] Conflict of interest in medical research, education and practice (2009)

[iv] Of principles and pens: attitudes and practices of medicine housestaff toward pharmaceutical industry promotions

[v] Desculpe a insistência mas acredito em repetição. Não há um dia onde não veja alguém dirigindo e escrevendo em zigue-zague na Marginal Pinheiros e Castelo.

2 Comments
  • Arakaki
    Janeiro 29, 2017

    Mário,

    Como sempre um bom ponto de partida para várias reflexões. Nem sempre nossas percepções sobre nós mesmos são realistas. Eu acredito que muito mais pela carência no autoconhecimento que por simples vaidade ou pura arrongância.

    P.S.: e o arroz de pato? Ficou muito “imperfeito” sem as ervas? 🙂

    • mario_henrique_martins
      Janeiro 29, 2017

      William no meu caso penso que simplesmente achei que tinha superado essa fase… que arrogância…O arroz ficou muito bom pois tem muita coisa boa lá mas faltaram aqueles aromas. Se você gosta do prato dê um google em ARROZ DE PATO TROISGROS. Se for encarar me avise. abraço

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