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Costumo prestar atenção nas coisas irracionais feitas diariamente por pessoas normais. Brasil e Inglaterra recentemente apertaram as penalidades para quem dirige lendo e escrevendo no celular. Nos Estados Unidos semanalmente[i] cerca de 60 pessoas morrem e 8.000 ficam feridas por causa disso. Já é uma pandemia pois o problema é mundial. Se alguém como eu e você faz algo que não faz sentido todos os dias é sinal que há um mecanismo mental, um automatismo poderoso na jogada que merece atenção. Um paralelo óbvio é nossa dificuldade de resistir a ingerir calorias em excesso. Nesse caso o automatismo tem explicações geralmente aceitas: nossa espécie é projetada para aproveitar qualquer oportunidade de ingerir o máximo de calorias pois há relativamente pouco tempo na escala evolutiva era importante compensar os dias onde não havia nada para comer. Carregamos esse impulso primitivo e graças a alta disponibilidade de comida passamos a lutar contra nossa natureza para não morrer mais cedo. Difícil lutar contra a natureza humana. Mas e no caso de dirigir sem olhar para frente a 80 km/h sabendo que isso não faz nenhum sentido? Qual é o mecanismo que nos transforma em robôs descuidados? O que torna aquele sinal do WhatsApp pipocando na tela tão irresistível? Para os muito curiosos recomendo as notas de rodapé. A ciência aponta alguns envolvidos no crime e a dopamina[ii], uma das drogas que nós mesmos produzimos em nosso corpo, está sempre na mídia[iii] em temas relacionados a compulsões e vícios. Enquanto a ciência debate se o WhatsApp nos vicia através de uma busca incessante por shots de drogas que nós mesmo produzimos, vamos ao que interessa. Na prática sabemos que existe uma compulsão mundial de ler e escrever ao volante e pouca gente consegue lidar com isso. Estamos lutando e perdendo contra nossa natureza ansiosa e incapaz de resistir a “o-que-está-acontecendo-agora-que-eu-não-sei?” O WhatsApp explora como ninguém o mecanismo que torna suas mensagens não lidas em uma fonte de incômodo colossal. Há um agravante para entendermos como esse vício é grave e nos cega. Quando falamos em comer demais, estamos aumentando riscos para nós mesmos mas dirigir e escrever aumenta o risco para os outros também e isso não nos sensibiliza o suficiente… Como estou habituado a dirigir com o Waze para escapar de trânsito não se trata apenas de deixar o telefone fora de alcance. Preciso dele ligado no console. Observei como é difícil para mim resistir a clicar e dar uma olhada no que acabou de chegar e concluí que preciso de humildade para reconhecer que posso integrar as estatísticas se não fizer algo a respeito. Minha conclusão no meu caso foi que para combater esse péssimo hábito preciso de um novo bom hábito: desativar as notificações do WhatsApp ao dirigir. As mensagens param de pipocar. Tem funcionado. Se a pipoca/droga é irresistível a única saída é não vê-la. Salva vidas nesse caso. E você, é um dos poucos que controla bem esse vício ou também precisa agir?
[i] http://www.distraction.gov/stats-research-laws/facts-and-statistics.html A estatística mais recente é de 2014 e está do Site oficial dos E.U.A. para direção distraída.
[ii] https://www.theguardian.com/science/2013/feb/03/dopamine-the-unsexy-truth David Greenfeld apresenta visão mais simplificadora na direção de que somos atraídos para produzir “shots”de dopamina em situações onde há expectativa de prazer e isso é viciante.
[iii] https://www.theguardian.com/science/2013/feb/03/dopamine-the-unsexy-truth Vaughan Bell no The Guardian aponta para a tendência de simplificação e centralidade do papel da dopamina em vícios e sua classificação simplista como “droga do prazer”. Quando cientistas renomados discordam é sinal que ainda não sabemos bem o que está acontecendo.
Novembro 5, 2016
Mario, como sempre seus posts são ótimos.
Tomei a liberdade de reproduzi-lo na minha página do facebook.
Abraços e um ótimo final de semana.
Fava
Novembro 19, 2016
A honra é minha mestre.
Novembro 6, 2016
Bom tema para reflexão Mário.
No meu caso, o uso do Waze funciona pq o celular fica num local de tão difícil acesso no painel do carro que fica inviável acessá-lo enquanto estou dirigindo. Uma outra dica é “silenciar” principalmente aqueles grupos que transmitem coisas para entretenimento. É possível apenas inibir o som ou, dependendo do caso, também inibir a mensagem de notificação em si… é possível ainda escolher o período em que se deseja esse “silenciamento”.
Também gostaria das suas percepções e conhecimentos sobre o seguinte aspecto: muitas vezes noto que as pessoas, inclusive eu em algumas situações, trocam longas e intermináveis conversas por WhatsApp ao invés de fazerem uma simples ligação telefônica de alguns poucos minutos para tratar o tema. É o automatismo do nosso cérebro e dos nossos hábitos que leva a isso?
Gde abs
Novembro 19, 2016
William eu não me atrevo a tentar modelar essa preferência. Vou dar uma estudada mas é fato que uma troca de mensagens é mais fácil (pela assincronicidade) e tem menos custos emocionais que uma interação presencial ou de voz possui. abração
Novembro 8, 2016
Mário,
depois de levar uma multa por falar ao celular enquanto dirigia, resolvi o problema jogando o celular na bolsa e colocando a bolsa atrás do meu banco.
No início foi difícil, quando parava no sinal pegava a bolsa para olhar o “zap zap”.
Agora, nem escuto mais os alertas de mensagem e nem as ligações. Também troquei um péssimo e perigoso hábito por outro bem mais saudável!
Bjs
Têca
Novembro 19, 2016
Você radicalizou. Eu me tornei dependente do waze…
Janeiro 3, 2017
Muito bom o post, estava vendo uns vídeos do Eduardo Marinho e lembrei de você.
Sobre o tema, eu acredito que temos gatilhos e precisamos aprender a lidar com eles.
No caso do whatsapp, o gatilho é a notificação, se você tirar a notificação a curiosidade não existe, porque você não vê que tem novidades… Interessante o seu jeito de lidar com isso.
Vivemos num mundo onde as pessoas vivem ansiosas e isso é uma coisa que nos aprisiona nas ferramentas digitais, como whatsapp, facebook etc.
Dificilmente conseguimos “parar” para refletir ou fazer algo, já que existe essa necessidade de sempre estar “atualizado”.
Talvez a “atualização” seja a droga do século e o efeito colateral seja a ansiedade…
Enfim, divaguei aqui.
Grande abraço!
Janeiro 21, 2017
Boa divagação Saueia.