Advogados e bancários: pessimismo profissional

Meus bons amigos advogados costumam ter um traço em comum. O pessimismo. O exercício dessa profissão requer uma alta dose de prudência e o hábito de prever armadilhas e imaginar situações onde as coisas podem acabar mal[i]. Martin Seligman é  autoridade mundial em psicologia positiva[ii],  e curiosamente, também é pessimista declarado. Ele diz que os pessimistas costumam ter uma visão mais precisa dos fatos, com um custo alto para a sua saúde. Os pessimistas normalmente se definem como realistas. Bate com a percepção de Seligman. No entanto, os impactos na saúde são importantes. Em 104 profissões pesquisadas[iii] o advogados têm índice de depressão  3,6 vezes mais alto que a média.

Seus índices de alcoolismo, dependência de drogas e divórcio também são acima da média. Os advogados não estão sozinhos em sua maneira de ser. Trabalhei em grandes bancos por quase vinte anos e também tive que exercitar meu pessimismo em um grande número de situações, especialmente nas que envolvem crédito. Quando se empresta dinheiro, é prudente pensar muito no que pode dar errado e isso exige uma atitude pessimista. A turma que lida com operações, com produção,  normalmente também  é treinada para pensar no pior, para estar pronta para uma resposta rápida.  Para que tenhamos o famoso “plano B”é necessário pensar no fracasso do “plano A” certo?

Tenho um amigo que trabalha como diretor de operações de uma grande financeira de veículos e costuma dizer que “a diferença entre o otimista e o pessimista é que o pessimista tem mais informação”. Talvez você, como o meu amigo,  trabalhe em uma função que exija um constante olhar pessimista. Se esse é o caso, pergunto se você consegue desligar o botão e chegar em casa com uma perspectiva menos sombria e defender tanto a sua saúde como a das pessoas que o cercam. É comum ouvir pessoas pessimistas afirmarem que prever o pior as ajuda a se surpreender e sofrer menos quando algo de ruim acontece. Isso pode ser verdade para eles mas convém considerar que quando imaginamos cenários onde sofremos, a fantasia fica bem real do ponto de vista fisiológico e o corpo é invadido pela neuroquímica do stress e do sofrimento.

Lembre-se que imaginar um limão em sua boca é suficiente para produzir muita saliva. Pensar em algo ruim produz várias substâncias dentro de você e algumas delas fazem mal[iv] quando em excesso. Os pessimistas podem ser mais precisos em relação a realidade que os otimistas mas “mastigam limões imaginários em excesso”. Ser pessimista profissional” ou em tempo integral tem consequências e pede estratégias pessoais para lidar com uma vida emocionalmente mais tóxica. Você tem a sua?


[i] Martin Selligman, “Why are lawyers so unhappy”. Além do pessimismo, Selligman indica a falta de controle sobre sua atuação e a natureza adversarial do tipo “eu-ganho-você perde”da profissão. Interessante que ele mesmo se declare muito pessimista e acredita que só alguém muito pessimista pode ajudar os outros a não serem assim. Algo do tipo “Pelé não seria um bom professor de futebol”. Eu concordo que quem tem muita facilidade não compreende bem a dificuldade dos outros no tocante ao ensino.
[ii] Segundo ele a psicologia tradicional tenta fazer com que pessoas que se sentem muito mal se sintam melhor. A psicologia positiva procura, alem disso,  fazer com que as pessoas se sintam bem, em um enfoque voltado para a felicidade e não apenas para a redução do sofrimento. Veja o próprio falando a respeito no TED: http://www.ted.com/talks/martin_seligman_on_the_state_of_psychology.html
[iii] Eaton William et al. “Occupations and the prevalence of major depressive disorder”.
[iv] John Arden, “Rewire your Brain”. Várias substâncias são acionadas quando temos um episódio de stress. O cortisol é provavelmente o maior vilão pois seu excesso está associado a dezenas de danos que vão da atrofia de estruturas cerebrais vitais como o hipocampo, relacionado à memória, deposição de gordura em volta do abdômen, até diabetes. A lista é longa e assustadora.

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