Pessoas abrasivas: como você as enxerga?

É comum a presença de pessoas abrasivas, descontroladas e agressivas em cargos de chefia. O que fazer para lidar com alguém que tem poder mas muito pouco controle sobre si mesmo? Eu também tive a oportunidade de trabalhar com “pessoas competentes mas difíceis”, aquelas que a empresa em bloco reconhece tanto a capacidade de entrega de resultados como a sua ferocidade ou truculência.

Interessante notar que boa parte dessas pessoas é feita de um pacote que reúne grandes qualidades e grandes defeitos, que em conjunto, atendem às necessidades básicas de seus superiores, sendo a mais comum delas o cumprimento de metas. Quando isso acontece temos o “abrasivo empoderado”, que claramente não se importa ou não se motiva  a mudar dadas as consequências de seu padrão de maus tratos e desrespeito. Observei esse perfil em diferentes países edetectei  interesse geral em compreender melhor como lidar com ele. Tenho duas coisas a compartilhar. Em primeiro lugar, a única coisa que podemos realmente mudar em relação a alguém de quem não gostamos é nossa própria visão sobre a outra pessoa[i].

Negociadores e vendedores hábeis, por exemplo,  aprendem a separar entre  o que é ouvido e a emoção que isso provoca. Nossos pensamentos definem como vamos nos sentir a respeito de qualquer coisa[ii]. Se você encara seu chefe truculento,  que desrespeita pessoas publicamente, que confunde discordância com traição e oposição como alguém malévolo, a coisa ficará muito pior[iii]. Boa parte dessas pessoas abrasivas, se perguntada sobre como se sente massacrando pessoas ficará muito surpresa. Muitas delas já me disseram coisas como “os outros são muito sensíveis”, “eu posso me irritar mas não guardo rancor”, “eles sabem que minha intenção é o resultado”, “pé de galinha não amassa pinto”, “eu sou assim mesmo mas tenho bom coração” e por aí vai. Se isso é possível, se essas pessoas não enxergam o mal que fazem aos outros (e a si mesmos), elas seriam melhor classificadas como um grupo com sérias deficiências de autopercepção e autocontrole e que maltrata os outros em consequência de repetidos sequestros emocionais. Não necessariamente acordam vibrando com a possibilidade de maltratar e humilhar.

Estou de acordo de que essas pessoas continuam sendotóxicas aos outros, mas minha experiência é que o desafio passa a ser mais suportável pois conseguimos compreender que a intenção não é “do mal”. Somos muito sensíveis às intenções dos outros e menos por suas atitudes. Não é à toa que a frase “ele não fez por mal” é clássica no repertório usado para acalmar alguém. O meu segundo ponto é simples: recomendo que a melhor saída é tentar ficar longe de gente com esse tipo de comportamento pois eles prejudicam nossa saúde e drenam muita energia emocional e física de nossa parte. Eles dão muito trabalho e independentemente de nosso nível de maturidade e autocontrole. Emoções são contagiosas. Só você pode julgar se isso é possível em função do nível de agressão e de suas possibilidades.

Se isso não for possível no momento, como acontece com frequência, considere mudar sua visão em relação ao abrasivo empoderado  como alguém que sofre muito e ao ficar cego pela sua própria dor provoca danos aos outros. Se seu chefe não for um psicopata[iv], caso mais comum do que pensamos, é possível que ele seja mais uma pessoa descontrolada, sempre tóxica a si e aos outros.  Ela deve ser responsabilizada por seus atos, não tenho dúvida, mas se a encaramos sem a intenção de fazer o mal apenas pelo mal, é possível administrar melhor nossas próprias emoções e seus efeitos trabalhando nossa própria visão, a única coisa que é possível mudar com certeza nessas situações. Chefes abrasivos nos fazem aprender muito sobre nós mesmos…



[i] Aqui a psicologia cognitiva, o budismo e o bom senso convergem…

[ii] É tarefa central do autoconhecimento reconhecer padrões de pensamento em nós mesmos. Se olhamos (interpretamos) alguém como “do mal” seremos induzidos a nos comportar de forma equivalente com ela. É um ciclo conhecido e violento.

[iii] The surprising purpose of anger, Marshall Rosemberg : um renomado especialista em resolução de conflitos, Rosemberg é enfático ao dizer que a raiva que sentimos de alguém vem da forma como interpretamos a agressão. O exercício de perceber que as primeiras versões que produzimos mentalmente sobre algum “ataque” de alguém é essencial para que possamos buscar outras interpretações mais equilibradas, que podem gerar níveis de raiva ou medo mais baixos.

[iv] Mentes perigosas, Beatriz Barbosa Silva: interessante livro para quem quer compreender em linguagem simples uma turma que anda entre nós e é mais comum do que pensamos. Ajuda a entender algumas dinâmicas de exploração que  parecem incompreensíveis e provocam raiva em quem as assiste. Para quem tem tendências paranóicas, cuidado pois poderá ver um mundo exageradamente psicopata ao seu redor…

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