Neuroplasticidade: “malhação” mental

Sou um dos que também acreditam que em um futuro próximo, pessoas normais freqüentarão academias de “fitness mental”. Nelas vamos exercitar, principalmente, o “músculo da atenção” a capacidade essencial de prestar atenção ao que está ocorrendo de uma forma potente, consciente. Sem essa habilidade, vivemos em uma espécie de piloto-automático onde somos dominados pelo fluxo de nossas emoções e reações automáticas.

Usando uma imagem esportiva, um jogador de tênis que sobe até a rede tem pouquíssimo tempo reagir aos golpes de seu oponente. Isso equivale a viver em piloto-automático, ouvindo e falando de forma instantânea, pouco consciente, muitas vezes infeliz. “Falei sem pensar” , quem nunca vivenciou e sofreu com isso? A pessoa que trabalha e exercita a sua atenção, percebe que seu posicionamento na quadra muda e ela se desloca mais para o fundo, onde ganha um tempo precioso para entre outras coisas, perceber algo fundamental: como ela está posicionada para receber a bola. Em outras palavras, ela desenvolve autopercepção, que segundo Daniel Goleman é a capacidade fundamental para o desenvolvimento de inteligência emocional (i). Há fortes evidências que pensar de uma determinada maneira com frequência reforça certos circuitos no cérebro e podem mudar nossa maneira de lidar com as coisas (ii).

Meus amigos budistas não consideram isso uma novidade já que disciplina mental e exercícios mentais para evoluir em autopercepção, autocontrole, e é claro, autoconhecimento já são conhecidos há mais de 25 séculos por eles. No ocidente, a idéia de que o cérebro é imutável e não influenciável por pensamentos precisou de mais de cem anos  (iii) de evidências crescentes para que a ciência considerasse seriamente que é possível alterar o cérebro não só através dos sentidos, mas através de pensamentos. As possibilidades dessas novas descobertas são promissoras pois poderíamos, através de disciplina, desenvolver mais concentração, escuta, reduzir posturas defensivas e agressivas e com isso conseguir melhores resultados com menos efeitos colaterais que a raiva a tensão e o medo sempre provocam. Como praticante de meditação há cerca de 18 anos fico feliz em ver que mais pessoas e organizações se sentem confortáveis para investigar e adotar técnicas mentais sem medo de serem estigmatizadas ou excluídas, como ocorria há bem pouco tempo.

A convergência entre neurocientistas e budistas, que são em muitos casos verdadeiros “atletas mentais” tem produzido debates muito ricos no campo da neuroplasticidade. O Dalai Lama tem participado desde 1987 de encontros (iv)sobre neurociência que geraram vários livros de ótima qualidade. Sobre a questão de como o cérebro pode ser exercitado e mudado recomendo a leitura da autora Sharon Begley em “treine a mente, mude o cérebro” sobre o encontro de 2004. Quem exercita a atenção e a autopercepção muda sua estrutura cerebral e evolui no que treina. O cérebro não é fixo e imutável. Como o corpo, pode e deve ser exercitado para que tenhamos uma vida mais rica, menos ansiosa e reações menos automáticas. Na próxima vez que for enfrentar um cliente zangado ou alguém contrariado faça um favor a si mesmo e vá para o fundo da quadra. Como? Se isso te interessa, fico muito contente. Como primeiras sugestões, comece a investigar temas como respiração e meditação. São coisas potentes, conhecidas há séculos pela humanidade e finalmente reconhecidas pela ciência. Como diria o Cazuza, trata-se de um museu de grandes novidades.

(i) “What makes a leader” , Harvard Business Review, Daniel Goleman. (ii) “Treine a mente, mude o cérebro”, Sharon Begley: Treinamentos mentais que fazem parte de um tipo de psicanálise chamado terapia cognitiva foram capazes de mudar o cérebro de pacientes com TOC, que tiveram melhora significativa e de reduzir a recaída de pacientes com depressão em cerca de 40% no estudo em questão. A psicologia cognitiva usa a atenção aos pensamentos e emoções como forma de reconhecimento de padrões de pensamentos disfuncionais e busca obter uma mudança em nossa maneira de interpretar as coisas através de maior intimidade e percepção de nossos pensamentos. Gosto do que Martin Seligman, PhD, seu fundador, publica a respeito em linguagem bastante acessível. (iii) William James, considerado pai da psicologia experimental nos Estados Unidos, apresentou em 1890 um novo conceito de “plasticidade”em relação ao cérebro, sugerindo que esse seria capaz de mudar, de sofrer alterações a partir de estímulos ou experiências. Em 1913 um importante neuroanatomista espanhol, laureado com um prêmio Nobel , Santiago Ramon y Cajal, decretou que o cérebro era imutável. Esse dogma permaneceu por quase 100 anos já que apenas recentemente a comunidade científica abraçou o conceito de neuroplasticidade. (iv) (http://www.mindandlife.org/)

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