
Em 1976 o mito da superioridade francesa em vinhos foi mortalmente atacado. Em uma degustação às cegas[i], onde os juízes não sabiam que vinhos estavam bebendo, a França, referência mundial e absoluta em vinhos por séculos, perdeu feio contra um tremendo azarão. Vinhos californiamos absolutamente desconhecidos do público europeu suplantaram ícones franceses cuja produção data do século XV[ii], cerca de 300 anos antes da independência americana.
Foi uma surpresa comparável ao Brasil perder para Tonga[iii] no futebol ou carros africanos[iv] baterem os BMW e Porsches alemães em performance. O que considero particularmente interessante nessa competição conhecida como “o julgamento de Paris”, é que faz imensa diferença saber o que estamos bebendo para julgar seu sabor. O sabor fica então influenciado pela expectativa que temos dele ejamais é imparcial ou absoluto. As expectativas que temos em relação a uma experiência mudam a experiência em si. Se digo a você que vou te apresentar um sujeito muito inteligente e bacana, que pratica caridade, estou praticamente garantindo que você procure e ache nele indícios que confirmem essa informação. Se digo que você vai tomar um vinho muito bom, você vai gostar muito mais dele do que se o servisse em uma garrafa de vinho nacional.
Crianças acham cenouras em embalagens do McDonald`s[v] mais saborosas. As expectativas de uma experiência mudam a experiência. Se um médico de sua confiança te dá uma pílula de farinha, o famoso placebo[vi], e diz que você vai melhorar você com frequência melhora. Se você vai entrevistar um candidato e alguém te diz antes que ele é espetacular a entrevista já mudou. Expectativas influem em nossas decisões, em nossos sistemas imunológicos e em nosso paladar. Expectativas nos fazem procurar e achar confirmações para as mesmas. Somos máquinas de confirmar expectativas que geramos automaticamente, em tempo integral. Se você for servir um vinho bacana, mostre o rótulo. Não é para esnobar. É só para melhorar seu sabor, amparado em neurociência…
[i] Se você gostar de vinho, de filmes açucarados com final feliz e trilha sonora dos anos 70 não deixe de ver “O julgamento de Paris” que conta essa história. Se quiser rigor histórico sobre o evento leia “Judgment of Paris: California vs. France and the historic 1976 Paris tasting that revolutionized wine” de George Taber, único repórter presente ao evento no Intercontinental em Paris.
[ii] O Château Haut-Brion concorreu entre os tintos franceses e é o segundo Bordeaux mais antigo, atrás do Château Pape Clément que apareceu em 1299.
[iii] Nada contra a simpática monarquia da Polinésia formada por 172 ilhas e com pouco mais de 100.000 habitantes segundo a Wikipédia. Apenas cito que ainda não é uma potência futebolística.
[iv] Nada contra a África mas essa não está na vanguarda da produção automobilística.
[v] Thomas N. Robinson, MD, MPH; Dina L. G. Borzekowski, EdD; Donna M. Matheson, PhD; Helena C. Kraemer, PhD. Effects of Fast Food Branding on Young Children’s Taste Preferences.
[vi] Howard Brody: The placebo response. Cerca de um terço das pessoas responde bem ao uso de placebos, usados há séculos no ocidente. Temos uma espécie de “farmácia interior” que pode ser ativada por expectativas de forma ainda não claramente compreendida. Isso funciona para o bem ou para o mal pois se acreditarmos que algo nos faz mal podemos ficar doentes apenas pela expectativa (efeito nocebo).
Leave a Reply